Por Inácio Augusto de Almeida
– Enfim, voltou. Outro vale?
– Não Bórgia, não. Você só pensa em dinheiro. Tá sabendo que Sarney está na chapa do Tancredo?
– Você tá brincando! Você, Conversinha, morre e não aprende. Vai, diz logo de quanto é o vale, diz.
– Bórgia, nem o rádio você ouve mais. Que diabo de jornalista é você? Vai, liga o rádio em qualquer estação, liga.
Bórgia começou a se dar conta de que o Vladimir não estava brincando. Além do mais, em matéria de política, sabia que nada era impossível.
– Tá bem, Conversinha. E daí?
-Ufa, ah inteligência brilhante. Você não tem medo de que eu morra primeiro?
– Se Você morrer primeiro, eu lhe enterro e pronto.
– Ainda bem que você me enterra, não vai fazer como a Viúva Louca que mandou dar o corpo do marido aos urubus e que os ossos fossem jogados no lixo.
– Que história é esta, Conversinha?
– O filho do morto tem isto por escrito. Mas não é da Viúva Louca que eu vim tratar com você. O que eu quero lhe dizer, QI superior, é que nós temos que embarcar nesta maré logo. Mande parar de rodar o jornal. Temos de mudar a manchete.
– Parar?! E o que já está pronto?!
– Vende no quilo ou joga onde a Viúva Louca mandou jogar os ossos do marido.
– Para, para de rodar, Jeremias. Vai, Conversinha, qual vai ser a manchete do O INDEPENDENTE?
– Segura esta, Bórgia. TANCREDO E SARNEY FORMAM CHAPA DEMOCRÁTICA.
– Sei não, Vladimir. Está me parecendo uma manchete fria.
– Fria, não. Cautelosa. A porta está apenas entreaberta. O homem que gosta de cheiro de cavalo pode resolver…
– Resolve nada. Se pensar em retrocesso, Conversinha, o povo escancara a porta de vez.
– Vladimir riu. O Bórgia não tinha mesmo jeito.
– Então tá. Vamos entrar com tudo. Não é assim que você quer? Veja se desta você gosta.
TANCREDO E SARNEY UNEM-SE E DITADURA AGONIZA.
-Tá doido, tá doido. Você com seus exageros ainda vai terminar fechando o jornal.
– O INDEPENDENTE?
– De que jornal estamos falando, seu capadócio?
– Seu o quê?
– Para de gracejos, Conversinha. Tá todo mundo esperando o diabo desta manchete. Já são quase duas da madrugada, deste jeito o jornal vai atrasar.
– Atrasa não, vamos tentar outra.
Passando as mãos na cabeça, o Bórgia era o retrato vivo da angústia, da aflição, da ansiedade. O desejo de agradar Sarney se contrapondo ao medo de uma reviravolta no quadro político. Aí, lembrou-se do calcanhar de Aquiles do Conversinha.
– Se você fizer a manchete e a matéria em menos de quinze minutos, nós saímos daqui direto para a Maria Araújo, e vai ser cerveja até amanhã.
– Pegamos o sol com a mão?
– Com a mão, palavra do Bórgia.
– Vem, senta aqui atrás da minha cadeira…
E a máquina de escrever começou a funcionar numa velocidade estonteante.
REDEMOCRATIZAÇÃO: TANCREDO E SARNEY UNIDOS.
Conversinha virou-se na cadeira e perguntou:
– Tá boa, começo a matéria?
Bórgia suspirou aliviado.
-Vai, tá ótima, faz a matéria.
Levantou-se da cadeira e, andando em círculos, enquanto esfregava as mãos, olhava para o Conversinha e se animava até a cantarolar um tango. Quando sentia-se feliz tinha este hábito. Passava a sentir-se o próprio Gardel. Conversinha é que é que não aguentava o desafino. E cheio de moral.
– Ou você para, ou paro eu.
– Claro, claro, vai, continua a escrever.
A cadência da máquina de escrever lembrava o matraquear de uma metralhadora. Conversinha escrevia numa velocidade assustadora.
Em silêncio, Bórgia se afasta e fica encostado na porta de entrada do jornal, de lá, olhando para Conversinha. Tinha por ele uma profunda admiração, sabia o quanto era competente. Pena que seu pouco senso de responsabilidade e o amor à bebida o tornava um profissional de pouca confiabilidade. Era dotado de grande senso jornalístico, mas…
– Na porta, Bórgia.
– É, olhando estrelas.
– Vai ver procurando nelas um homem honesto como você.
– Vai te lascar, Lopes.
Arrupiado riu. Aquele Lopes não perdia uma chance de sacanear o Bórgia.
– E vocês, que diabos estão fazendo por uma hora destas? Perderam o sono?
– Não, Bórgia. Eu passei lá no Grêmio para fazer uma horinha e como o Fernando já ia saindo, resolvemos dar uma volta nas meninas.
O barulho da máquina do Conversinha parou.
– Lopes, Arrupiado! Vamos, entrem.
– Vão entrar não. Eles já estão indo para a Maria Araújo. Vão, vão, digam a Maria que eu e o Conversinha tamos já chegando. E podem ir bebendo que a festa é minha. Vão, vão, antes que eu mude de idéia.
E, virando-se para Conversinha.
– Vai, continua a escrever. Você só vai se levantar daí quando terminar.
Mal o Lopes e o Arrupiado dobraram a esquina, o Conversinha puxou o papel da máquina, anunciando o término, e já puxando o Bórgia pelo braço.
– Vamos, vamos que hoje vai ser uma noitada inesquecível. Pode deixar que daqui pra frente o Jeremias faz o resto.
– Só se eu estivesse louco, mandar rodar um jornal sem ler a matéria da primeira página. Principalmente quando feita por você, seu irresponsável.
Conversinha ria. Sabia do bem que o Bórgia lhe queria. Mas sabia também o quanto o dono do O INDEPENDENTE era cauteloso… Aproveitou enquanto Bórgia lia para pentear os cabelos, mania que tinha sempre ao terminar uma matéria que achava ter ficado boa.
ACOMPANHE
Leia também: Maranhão – Capítulo I;
Leia também: Maranhão – Capítulo II;
Leia também: Maranhão – Capítulo III;
Leia também: Maranhão – Capítulo IV;
Leia também: Maranhão – Capítulo V;
Leia também: Maranhão – Capitulo VI;
Leia também: Maranhão – Capítulo VII;
Leia também: Maranhão – Capítulo VIII;
Leia também: Maranhão – Capítulo IX;
Leia também: Maranhão – Capítulo X;
Leia também: Maranhão – Capítulo XI;
Leia também: Maranhão – Capítulo XII;
Leia também: Maranhão – Capítulo XIII;
Leia também: Maranhão – Capítulo XIV.
Inácio Augusto de Almeida – Boêmio/Sonhador
(Continua no próximo domingo)
Faltaram os capítulos já publicados
Estes instigantes artigos nos remonta ao tempo em que o Inácius residiu no estado do Maranhão e foi um empedernido discípulo do José Sarney.quando o mesmo foi governador daquele estado na década de 60 .(1960-1969). É mentira Inácius !. Essa é de lascar.
Barão de Apodi.
Realmente morei no Maranhão. Realmente conheci José Sarney. Conheci bem mais a irmã do Sarney, Concy Sarney. Uma alma boníssima. Eu um moleque de recados que ia comprar o lanche dela, um misto com um guaraná jesus, e ela sempre me dava o troco que servia para eu almoçar nas Cáritas. Tempos duros.
Conheci a Dona Kiola, mãe da Concy. Dela ganhei até um beijo na testa. São histórias difíceis de acreditar. No Maranhão conheci até o Cauby Peixoto, que ali foi fazer um show, e ele, ainda não usava peruca, até me pagou sorvete e me aconselhou a estudar, estudar, estudar. Outro que conheci foi o João do Vale, CARCARÁ, de quem ouvi estórias fantásticas.
Nasci na Paraíba, mas me sinto maranhense. Descobri isto quando vibrei com um gol da seleção maranhense num jogo com a seleção paraibana.
Qualquer dia eu lhe conto mais…
Quero bem a você por ter se solidarizado comigo no processo de adoção das crianças que adotei.
Um forte abraço.
TMJ Inácius. A recíproca para todo o sempre será verdadeira. Abraço