Por Marcos Pinto
O  sertanejo, em  sua  trajetória  indefinida, traz  sempre  um  fator  motivante  servindo  como  referencial  em  sua  humilde  geografia  humana.  DaÃ,  a  importância  da  admiração  e  respeito  que  devemos cultuar  para  com  aqueles  que  já  são  detentores  do  famoso  “diploma da vida”, perfilados  pelas  longevas  e  venerandas  idades.
Quantas  imagens  acumuladas  e  amalgamadas  na retina  do  passado, escoando  no  estuário  do  rio  da  saudade  chamado coração!.
As  refundidas  observações, contumazes  e  incessantes,  tem proporcionado  grandes  evoluções na  performance  do  rústico  sertanejo, melhorando  sua  inter-relação  na  azáfama  dos  dias  sempre  cheios  de  interrogações.  Reside  aà  o  nascedouro da  admirável inteligência  da  alma  sertaneja, caldeada  pelo  sangue  mameluco  com  o  africano.
Alguns fatos  cotidianos  vividos  pelos sertanejos, ainda  páiram  elencados  pela  tradição  oral, evidenciando  a  certeza  da verdade  histórica.  Tratando-se de  coisas  do  meu  amado  sertão, costumo  fazer incursões  ao  nostálgico  passado, em  inconfundÃveis  vôos  rasantes. Não  raro, penetro  no  interessante das  denominações sertanejas, referentes  à  coisas, pessoas, lugares, profissões  etc.
Contou-me  um  amigo  cearense, que  o  seu  avô  trabalhara  na  construção/implantação  do  ramal  ferroviário  ligando  a  cidade  de  Fortaleza ao  Crato, durante  o  perÃodo  1905-1910. Em  breve  relato, esclareceu  a  origem  e  o  por  quê  da  denominação baitola, que  o  sertanejo  costuma  “batizar”  aos  que  optam  pela  prática  da  sodomia.
Segundo o  amigo, este  denominativo  vincula-se  ao  fato  da chegada  de  um  engenheiro  de  origem  inglesa  ao  Ceará, para  dirigir  os  trabalhos  da  implantação  da  referida  linha  férrea,  começando  pelos trabalhos de  nivelamento  até  o  da  fixação  dos  trilhos, com a  severa  observância  das  escalas  topográficas.
Como  o  engenheiro  inglês  tinha  pouco  tempo  de  residência  no  Brasil, expressava-se  demonstrando  um português  sofrÃvel, trocando  letras  e  nomes  no emprego  da  palavra  exata, exigÃvel  para  a oportunidade. Dado  essa  dificuldade  em falar  o  idioma  português, acentuavam-se  os  rompantes  de  raiva, numa  contundente  manifestação  de  ignorância  no trato.
Certo  dia,  o  afobado  inglês, acossado pelo  sol  causticante  do  meio  dia, dirigiu-se  aos  operários  em  voz  alta  –  os  conhecidos  berros, ocasião  em que  chamou-lhes  a  atenção  para  a  verificada irregularidade  quanto  à  bitola, que nada  mais  é do que  a  distância  entre  os  trilhos  de  uma  via  férrea. Ocorre  que  o  dito  gringo  escrevia  o  nome  bytola, ao  invés  de  bitola.
Sabe-se que  a  pronúncia das  letras  BY  em  inglês  soa  como  bai.  Neste contexto, o  inglês  falou, aos  berros:
– Quando  vocês  pregar  trilhos  ter  cuidado  com  baitola!  –  dando destaque  a  esse  último nome.
Como  o  engenheiro tinha  maneiras  e  “trejeitos” efeminados, os cassacos ficaram cismados com o mesmo, sendo certo  que, no  outro  dia, ao verem-no  ao longe, caminhando  em sua direção, de bate-pronto fizeram  a seguinte  observação:
–  Lá  vem  o  engenheiro baitola.
Desse  dia  em  diante  o  neologismo baitola ficou  enraizado  no  linguajar  sertanejo  como referencial  à  homossexual.
De  baitola (Com  a vogal  O  sem acento)  para baitôla foi  um  pulo.
Há  um fato  histórico  que  até  hoje é  contado  na  cidade  e  na  zona  rural  de  Apodi, em  que  um humilde agricultor  de nome Antônio Moreira, residente no  sÃtio “Santa  Rosa”, deu  um  bela  lição  de inteligência no  padre  Renato Menezes, que  dirigiu  a  paróquia  de  Apodi  no  perÃodo  1939 a  1951.
Contam que  o  lépido  e  fagueiro  Antonio  Moreira  todos os  dias de sábado ia até  a  cidade  para “fazer  a  feira”, ou seja, comprar  gêneros  alimentÃcios  para  sustentar  a  sua  prole, não  sem  antes  assistir  a missa  matinal.  Ocorre  que  o  Antonio  Moreira, de  forma ingênua, acendeu, durante  a  missa, o seu  inseparável cigarro  de  palha – o  famoso  “brejeiro”, ocasião  em  que  espalhou  no  ar  grandes  baforadas com  o  cheiro  caracterÃstico/enjoativo.
Este  incidente deu-se  exatamente  quando  o  padre estava  pregando  o sermão  bÃblico.  Sempre  atento  aos  fiéis  paroquianos, eis  que  o  Padre  viu  a  fumaça  do cigarro  traçando  trajetórias  no  meio  dos fiéis.
A muito custo, controlou  sua  ira,  deixando  para  destilá-la quando terminasse  a santa  missa.
ConcluÃdo  o sermão,  eis  que  o  padre  Renato  dirigiu-se  até o  último  banco,  onde  o  tranquilo  Antonio Moreira  se encontrava, já  com  outro  cigarro  aceso. Com  visÃvel  olhar iracundo, padre  Renato dirigiu-se  a  Antonio  Moreira  nos seguintes termos:
–  Ô  Antonio Moreira, você  não  vê  que  não  se  deve  fumar dentro  da Igreja?
–  Mas  padre  Renato,  é  que  eu  não  me  vejo  –  respondeu  Antonio  Moreira, sem  pestanejar.
Ainda  esboçando  grande  raiva, o padre Renato  esbravejou:
–  Pois  Antonio  Moreira, você  pra animal  só falta  o  rabo!
Sem  se  deixar  contaminar  pela  ira  do  reverendo  padre,  o  Antonio  Moreira  sapecou:
–  Apôis padre, me  empreste  o  seu, que  é  pra  mim ficar  completo!
Ciente  de  que  o  Antonio  Moreira não  era  homem  de  levar  desaforo  pra casa,  só  restou  ao  padre Renato  “colocar o  rabo  entre  as  pernas”  e  sair  ruminando  sua  raiva, falando entredentes.
O  certo  é  que  depois  deste  sério  incidente, nunca  mais  o  Antonio  Moreira  voltou  a  frequentar  a  missa.
Marcos Pinto é advogado, pesquisador e historiador























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