Por François Silvestre
“Quatro rios há nos espaços tenebrosos e subterrâneos dos Infernos: o Estige, o Aqueronte, o Cocito e o Flegetonte ou Piriflegetonte. Os três primeiros levam suas águas lentas, através de marnéis, pântanos e volutabros infectos, cobertos de tristes plantas aquáticas, a gargantas estreitas, onde o ruído das águas se torna espantoso. O quarto rola ondas de enxofre e fogo, arrastando no seu curso rochedos retumbantes”.
“Às bordas do Estige vêm dar as sombras dos que deixaram os corpos na região das luzes. Sobre a onda imóvel desliza, sem cessar, sem ruídos, uma barca com a madeira podre, suja, dirigida por horrenda criatura”. É Caronte, o barqueiro do inferno.
É assim que Tassilo Spalding inicia o verbete que define e expõe à visão gráfica a figura símbolo do que seria o capitalismo na mitologia.
E informa que o filho de Érebo e da Noite, desconhecido de Homero e de Hesíodo, era um deus ancião, mas imortal. Velho, repugnante, intratável e avaro.
Para realizar a travessia dos mortos à outra banda do Estige ou do Aqueronte, cobrava três óbolos, a menor das moedas, que valia uma sexta parte do dracma.
E só carregava os que tinham merecido a honra do sepultamento. Cujas almas, desligadas, tinham a posse das moedas que lhes garantiam a travessia.
As despossuídas vagavam pelas margens dos rios citados, até que um dia conseguissem o pagamento da travessia.
A descrição de Caronte e suas atribuições compõem o mais perfeito retrato do capitalismo e suas navegações pela história humana, a cobrar de cada um os óbolos de sua ganância e devolver a cada um a travessia no barco podre de Caronte.
Quando vejo um rico perdulário ou muquirana, esbanjador ou mealheiro, enojar-se com a palavra comunismo, eu compreendo. O que não compreendo é ver um pobre esganar-se de admiração ao capitalismo.
O comunismo, minha gente, nada tem a ver com pilantras que se definiram comunistas. O comunismo é Marx, não é Stalin.
O comunismo é São Francisco de Assis, Thomaz de Aquino, Padre Vieira, Portinari, Vulpiano Cavalcanti, Carlos Prestes, não é Chaves, Fidel, Dirceu ou Brejnev.
Caronte não recebia seres vivos na sua barca. O capitalismo não recebe seres livres nos seus negócios. Todos são livres, no capitalismo, para servirem aos capitalistas. Fora daí, a liberdade é apenas uma figura retórica. Onde se avolumam nas margens dos rios podres as almas despossuídas de óbolos.
Caronte pagou com a perda de função, durante um ano, por ter transportado Hércules, ainda vivo, e o fizera movido pelo medo.
Aí estão os dois instrumentos do aparato capitalista: a moeda e o medo. Sem a moeda e sem o medo, a exploração fracassaria.
Posta indevidamente nos ombros da ganância capitalista a bandeira das liberdades fundamentais, pelo falso comunismo, o antagonismo do mal se transformou no estandarte justificador do próprio mal.
Té mais.
François Silvestre é escritor
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