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domingo - 25/09/2011 - 09:48h

A pedagogia do espetáculo

Por Honório de Medeiros

Ouço, muitas vezes, elogios feitos à capacidade de um professor ou palestrante de prender a atenção da platéia à custa de piadas, gracejos, histrionismo, até mesmo do que se convencionou denominar “perfomances’. Estas últimas abrangendo trejeitos, mogangas, interpretações corporais…

Quando isso ocorre sempre me lembro da história de um debate na área do Direito no qual um dos debatedores, um dos ícones do nosso ensino jurídico, após assistir, perplexo, durante um longo tempo toda a sorte de bizarrices encetadas por um seu colega no afã de levar os ouvintes à diversão, iniciou sua participação comunicando, secamente, aos estudantes, que “ali estava para os levar a pensar, não para diverti-los”.

Penso que essa é a missão do professor, palestrante ou conferencista: atrair e, se possível, até mesmo galvanizar a inteligência dos ouvintes, por intermédio da forma e do conteúdo do seu pronunciamento dirigido à razão.

Assim foi desde a Grécia de Demóstenes, passando pela Roma de Cícero, a Idade Média de Bossuet e Massilon, até os dias de hoje, quando reverenciamos Churchill e Martin Luther King, em todos os lugares, enfim, onde o respeito pelo saber e por aqueles que o honram se constitui em diferencial de civilização.

Pois bem, no Brasil, guardadas as exceções de praxe, prepondera o populismo pedagógico, ou seja, a concepção de que é a vontade da plateia, ávida por diversão, que deve balizar a forma da exposição do professor, ou palestrante. Quanto mais divertido o expositor, mais concorridas suas participações, ao ponto de aulas, ou palestras, se transformarem em verdadeiras sessões do humorismo que se convencionou denominar “stand up comedy”.

Essa prática de chamar a atenção divertindo, aparentemente válida na infância, levada a cabo ininterruptamente, conduz a uma conseqüência funesta: ao interromper a linearidade da argumentação – quando há – predispõe a mente, por si só tendente à agitação, a perder o foco, a concentração, a capacidade de apreender o todo e suas implicações na argumentação proferida, a se deter no episódico, no fragmentário, no superficial.

Aliás, disciplina intelectual é um verdadeiro anátema no ambiente acadêmico de hoje em dia. Não se lê, não se escreve, não se fala dentro dos padrões que a lógica da argumentação impõe. Não é a ditadura da regra gramatical que se quer; é a lógica da argumentação e a argumentação lógica. Não é a camisa-de-força das regras ortográficas que se deseja obedecer; é a linearidade do raciocínio e o raciocínio linear. Não é à técnica da língua a quem devemos nos submeter; é à clareza do pensar e ao pensamento claro. Não há, hoje, no geral, quando deveria – e muito – haver, rigor intelectivo, disciplina de pensamento, lógica argumentativa.

Há espasmos intuitivos, logorreia superficial, pensamento fragmentado. E, em muito contribui para essa realidade, a “pedagogia do espetáculo” e a incapacidade do ouvinte em firmar sua atenção no que lhe é dito. A rigor, nas universidades brasileiras, os estudantes são tratados com o mesmo método de ensino utilizado em sua meninice: gincanas, júris simulados, aulas-espetáculos, tudo vale a pena para se passar a idéia de que o aluno participa diretamente do processo de aprendizagem.

É uma equação sinistra: quanto mais se opta pelo espetáculo, que privilegia os sentidos, menor o desenvolvimento da capacidade de concentração, da disciplina da razão. Não por outra causa essa tendência amplia a quantidade de textos mal escritos e de pronunciamentos mal alinhavados, todos resultantes da incapacidade de se pensar com clareza.

A lição do passado está aí, para quem souber apreendê-la a partir das pesquisas especializadas: sem disciplina intelectual e física, não se chega a lugar algum.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Antonio Augusto de Sousa diz:

    Honório, primeiro quero lhe parabenizar pelos escritos que voçê nos presenteia aos domingos nesse blog. Sempre que posso dou uma olhada nos dois, no blog e no cronista. Num anterior, voçê falou na RISV – Repúlblica Independente de São Vicente, com certeza fui testemunha ocular desta, menino buchudo, frequentava a igreja para assistir as missas aos domingos, ou, passando para trabalhar (trabalhava na “Cigarreira 007”, de um irmão meu de criação), me lembro principalmente de seus pais, não sei de ainda vivos, pessoas que primavam pela educação. Tanto seu pai como sua mãe faziam questão de me cumprimentar, e eu oriundo de outra “Repúlblica Independente” – a da “Doze Anos”( com certeza mais humilde), bairro vizinho à sua São Vicente, me sentia um tanto quanto “importante” com o cumprimento daquele casal educado.
    Enquanto isso, os encontros dos membros das duas “Ris”, nem sempre eram amistosos.
    Concordo com seus argumentos na crônica de ontem, e acrescento, no meu caso (ensino o EJA – Educação de Jovens e Adultos), temos que substituir os conteúdos já mirrados – as oito séries do ensino fundamental em quatro anos – para dar aulas “diferentes” de dramatização, educação física sem exercícios, temas transversais, etc. que nos leva todo o tempo que temos. Aí eu pergunto: Como é que esses jovens vão estar preparados para concursos, ou mesmo Vestibulares? Sem se falar no conteúdo dos livros que são feitos para alunos da Escandinávia, Canadá ou Alemanha. Para voçê ter uma idéia, até Matemática tem uma interpretação de Texto para cada capítulo estudado. Como eles vão interpretar se os mesmos não sabem ler?Soma-se a isso, tráfico de drogas, com esta, à violência, prostituição, insegurança. E para terminar porque não resgatar o Prof. “Raimundo”? E o salário, hó!
    Augusto.

    • Honório de Medeiros diz:

      Caro Augusto, é uma alegria enorme essa sua postagem.
      Muito obrigado pelo registro em relação aos meus pais. Vc não calcula quanto seu depoimento me emocionou. Eles já faleceram, ambos no anos passado, com poucos meses de diferença. Acredito que não conseguiram ficar separados muito tempo um do outro.
      Lembro demais, e com muita saudade, as refregas entre a famosa Turma da Doze Anos e nossa Turma, a da São Vicente. Ritos de passagem, claro, mas vividos no outono de um outro tempo, tão diferente deste atual, no qual não permito que meus filhos brinquem a sós nos patamares das igrejas.
      Concordo com suas colocações e agradeço seu comentário acerca do meu texto.
      Espero lhe encontrar – mantemos a casa dos meus pais ao lado da São Vicente – e lhe abraçar pessoalmente.

      Honório de Medeiros

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