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domingo - 17/07/2011 - 02:59h
Conversando com... Cézar Alves

Jornalista transforma Web em um canal de ativismo social

Graduado em Comunicação, Cézar Alves usa Twitter como corrente solidária (Foto: Arquivo do Blog)

Cézar Alves de Lima, 37, é paraibano lá de Catolé do Rocha (PB), graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, atuou como fotojornalista no Gazeta do Oeste no período de 1995 a 1998, depois passou a editar a página policial desse diário, acumulando com produção de fotojornalismo. Em 2002 transferiu-se para o Jornal de Fato e desde fevereiro de 2007, que ele atualiza e edita o www.evanioaraujo.zip.net . Mas é no Twitter que tem causado muitas controvérsias e oferecido um inestimável serviço de cidadania, nos últimos dois anos.

Blog do Carlos Santos – O senhor é o que eu poderia denominar de “webativista”, com uso contumaz de redes sociais, sobretudo o Twitter, para permanentes debates, questionamentos e ações práticas em defesa da cidadania. Essa é uma postura decorrente do espaço democrático que só a web oferece ou de sua natureza como jornalista e repórter-fotográfico?

Cézar Alves – É decorrente da plataforma de comunicação proporcionada pela internet, que tem democratizado a informação na medida em que aumenta o número de conectados nas residências e nas corporações privadas e públicas, como também de minha postura profissional formatada pela vivência na zona rural, na escola e na familia. Minha formação cultural. É um novo tempo com novas e amplas possibilidades. Estou procurando aproveitá-las, exercendo minha cidadania: votar, fiscalizar e cobrar resultados.

BCS – Há poucos dias, graças a uma mobilização sua, uma criança teve sua vida salva em Mossoró. Mas o senhor já abraçou bandeira para tirar da cadeia uma pessoa presa injustamente e fez outras campanhas vitoriosas pelo Twitter. Resuma, para o BCS, esses principais casos.

Cézar Alves – Somos uma sociedade anestesiada, mas encontramos, mesmo assim, uma parcela de pessoas com perfil solidário e capaz de se indignar com o atual quadro de injustiça social. Foram estas pessoas que ajudaram ao embalador Adenilson Ferreira da Silva, casado e pai de duas crianças, a sair da prisão, onde ficou por longos 75 dias por um crime que não cometeu. Também foram estas pessoas que possibilitaram o agricultor Francisco de Sousa da Silva, de 50 anos, natural de Campo Grande, estar vivo. Infartado, Francisco de Sousa passou 22 dias no corredor do Hospital Regional Tarcísio de Vasconcelos Maia (HRTM). Entre muitos outros casos absurdos na área de saúde, o mais grave e mais emocionante foi a história do pequeno Samuel de Sousa Pinto, de 1 anos e 10 meses, que com problemas de cardiopatia ficou sendo jogado do HRTM para Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alto São Manoel e vice-versa no dia 10 de junho de 2011. O HRTM não havia pediatra para atendê-lo, muito embora seja o único hospital de alta complexidade na região Oeste do Rio Grande do Norte, e na UPA tinha o médico, mas não havia enfermaria infantil e muito menos um leito de UTI pediátrica para permitir a respiração do pequeno Samuel.  No caso, apenas usei o Twitter como mediador de informações. Socializei-as e encontrei pessoas de bom coração, solidárias e responsáveis com suas funções sociais. Colocaram-se para colaborar com quem precisa. Salvaram a vida de Samuel. Não cito nomes por que a lista é longa e corro risco de cometer injustiça.

BCS – As redes sociais foram usadas, mundo afora, para desabrochar ressentimentos, promover erupções sociais e dilacerar regimes autocráticos. Esse fenômeno é capaz de se espalhar pelo Brasil e colocar em risco a cultura política das oligarquias, do coronelismo urbano e da plutocracia sem pudor?

Cézar Alves – Sim e deve. E creio que estamos neste processo, uma vez que já observo uma parcela da população procurando maneiras de contribuir para melhorar o quadro social. No momento em que as pessoas descobrirem que exercitando a cidadania plena, ou seja, votar, fiscalizar e cobrar resultados, o quadro tende naturalmente a mudar. Neste contexto sim concordo que será jogado no esquecimento a cultura política das oligarquias, do coronelismo urbano e também da plutocracia sem pudor.

BCS – Através da blogosfera (Blog do Evânio Araújo e Retrato do Oeste) e do Twitter, o senhor promove uma incansável cruzada à melhoria da segurança pública, baseada sobretudo na qualificação científica. Mas o Estado marcha em sentido contrário. Por que o cientificismo é tão importante para a segurança pública e que números provariam o atraso do RN nesse campo?

Cézar Alves – Antes de opinar sobre segurança pública, parei e pesquisei. A base de dados que adotei é do Ministério da Justiça disponibilizado pelo Instituto Sangari. Observei por estado que o número de homicídios e outros crimes era maior ou menor conforme a estrutura existente de investigação e não de policiamento ostensivo. Em tempo, investigação é feita por Policia Civil ou Polícia Judiciária e o policiamento ostensivo é feito pela Polícia Militar. São duas missões distingas. Nos estados que havia um serviço de inteligência associado a um serviço de polícia científica, houve uma redução no número de homicídios de quase 20% em dez anos, como por exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo, que todos pensam que são violentos. Já nos Estados de Alagoas, Bahia e Rio Grande do Norte, que os setores de inteligência e perícia forense não receberam investimentos a altura, o número de homicídios neste mesmo período aumentou respectivamente 169%, 89,5% e 82,5%. E investir em perícia forense e inteligência policial é uma questão lógica para reduzir a violência.

BCS – Pela militância de longos anos na editoria policial na imprensa, sobretudo de Mossoró, o senhor se transformou num especialista autodidata no tema “segurança pública”. E, por vezes, sei, é consultado até por autoridades no assunto. Esse genocídio em Mossoró, com mais de 120 homicídos só este ano, pode ser explicado de que forma?

Cézar Alves – No período de 1998 a 2005 a média anual de homicídios em Mossoró era 30. Em 2006 já aconteceram 53 execuções. Em 2008 foram 118. Em 2009 foram 103. Em 2010 foram 141. E nestes números não constam os desaparecidos, com o é caso do meu irmão Marcos Maciel, que desapareceu com ele no dia 7 de julho de 2010 e até hoje não temos notícia alguma. Em 2011, na verdade são 123 execuções. 117 com os corpos deixados em Mossoró, três desovados em outras cidades e três que os corpos não foram encontrados, mas já se tem a certeza de que estão mortos. Aguardo resultado de outros três casos. E esta matança crescente em Mossoró, observada a partir de 2006 coincide com a fixação do crack a Mossoró e cidades vizinhas. Mas não é só isto. Como não existe Policia Civil com inteligência bem estruturada e pericia forense, a grande maioria dos crimes (mais de 80%) ficam impunes, até mesmo nos casos em que a família e a própria policia sabem quem matou e os motivos, mas não conseguem provas para uma condenação exemplar.

Cézar mostra números

BCS – Com a explosão de violência, também tem sido resgatado um antigo modelo jornalístico baseado no sensacionalismo, com exposição maciça do mundo-cão. Nessa seara tem mergulhado setores da própria imprensa convencional e surgido repórteres amadores na web, que potencializam a carnificina. Essa fórmula vende ou apenas expõe as vísceras de uma sociedade doente?

Cézar Alves – Esta fórmula vende e expõe uma sociedade doente, com sérios problemas na estrutura familiar. Pior, joga em vala comum, principalmente porque a nossa imprensa não procura mostrar o crime em sua essência, como fez Carlos Dornelles no caso Bar Bodega, em São Paulo. Não contamos histórias e nelas buscamos o que ocasiona o crime e não apontamos meios para evitá-los no futuro. Esta fórmula de jornalismo sem a essência em seu conteúdo, com relatos cada vez mais curtos, infelizmente vende e expõe uma sociedade doente. Entretanto, é preciso reconhecer que alguns jornais impressos de Mossoró, a exemplo o Jornal de Fato, têm procurado evitar mostrar pessoas mortas tiros ou esfaceladas em acidentes.

BCS – O senhor tem dupla formação jornalística: a primeira, empírica, baseada na “universidade das redações”; a outra, acadêmica, concluída em 2009, na Universidade do Estado do RN (UERN). Elas são excludentes? Somam-se? Qual a principal diferença entre a primeira e instrução acadêmica?

Cézar Alves – Para o exercício do jornalismo creio que é preciso três formações, estas proporcionadas pela família, universidade e redação. Cada uma em seu tempo. Na família, é quando formata o caráter, desenvolve a cultura do respeito aos pais, irmãos (etc) e desabrocha o senso de responsabilidade que permite a vivência em sociedade; a universidade ensina quais e como cumprir as obrigações sociais, assim como quais e como usufruir os direitos previstos em lei. Norteia o caminho com experiências cientificamente comprovadas ou teses que apontam novos horizontes possíveis de contestações. Nas redações, se põem em prática as experiências vivenciadas na universidade, assim como é possível avançar nos horizontes das teses. Mas, principalmente, se aprende o jogo de cintura, como caminhar sobre brasas, numa selva de leões famintos e covardes. No meu caso, primeiro vivenciei a prática e depois as experiências e teses universitárias. Não são excludentes. Somam-se.

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Categoria(s): Entrevista/Conversando com...

Comentários

  1. Gilmar Fernandes diz:

    Cesar tem razão, precisamos de uma policia qualificada e estruturada, alem de mais responsável.

  2. jose camara/guamaré/rn diz:

    caro amigo cézar alves, sor seguidor do blog de evanio araújo, e sei que você é quem faz as atualizações, e tenho sentido sua ausencia, mais vi noticia que você estaria voltando a atualizar o referido blog. tenho um assunto importante e bombastico sobre a prefeitura de guamaré, muito mais imoral do que aquele da compra do peixe da semana santa. apezar de ser referente a compras mais é imoral. seria uma matéria importante para sua volta ao blog. se tiver interece, vamos conversar. meu contato telefonico é 9951 0269 e 9138 1684.

  3. Yonara Carrilho diz:

    Muito bom, mesmo…
    Parabéns!
    Merece nossa reverência.

  4. Edvan Queiroz diz:

    Cezar é um profissional competente, capacitado e comprometido com causas sociais e um jornalista que defende melhorias de ordem técnica e estrutural em nossa segurança pública. Ele faz o que sabe, jornalismo, com maestria e dedicação. Parabens.

  5. Marcos Araujo diz:

    Como é um fato sentido, a sociedade demencia por falta de pessoas e de profissionais comprometidos com o próximo. Formamos “comunidades virtuais” em torno das novas mídias (Orkut, Facebook, Twitter), sabemos tudo da vida dos outros, sem a necessidade de se comprometer afetiva ou socialmente. Os reflexos deste mundo virtual e desumano são mais visíveis nos atuais profissionais que formamos: médicos que atendem sem examinar ou olhar diretamente o paciente; a insensibilidade no Judiciário; o alheamento dos gestores públicos; a proletarização da advocacia; a falta de indepencia de alguns jornalistas e de alguns meios de comunicação etc.

    Cezar Alves, nesse contexto, faz uma grande diferença. Cidadão comprometido com o ser humano, faz da sua vida profissional uma atividade de risco à sua vida pessoal. Deve ser incluido entre os seus feitos o alerta quanto ao risco de desmoronamento do estádio Nogueirão. Vive diuturnamente sendo ameaçado apenas por “combater o bom combate” de denunciar os crimes e desmandos que são praticados contra o povo.

    Numa sociedade pródiga de boquirrotos que posam de “grandes homens”, engalanados por homenagens farisaicas e titulações compradas por auxílios financeiros de origem pública, Cézar Alves é um herói de verdade.

    Ele está entre os que fazem a diferença no mundo. Converteu as ferramentas da mídia e o mundo virtual a favor da coletividade, e nunca para escrever banalidades de sua vida pessoal, como faz uma grande maioria. A ele a minha homenagem pessoal, e o meu agradecimento pelo bem que tem realizado.

    .

  6. Verônica diz:

    Entrevista entre jornalistas rende sempre mais que um simples bloco de informações. O que leio aqui é um bate papo gostoso, e também a oportunidade de conhecer um pouco mais dessa “formiguinha” chamada Cezar Alves. Parabéns pelo material.

  7. Ana Cândida diz:

    Tenho uma grande admiração por esse jornalista e cidadão! Parabéns, César!

  8. Ana Cândida diz:

    Tenho uma grande admiração por esse jornalista e cidadão! Parabéns, Cézar!

  9. FERREIRA JÚNIOR(NOBRE) diz:

    SEI QUE PARABÉNS NÃO BASTA, POR ISSO GOSTÁRIA DE CONVIDA-LO PARA VOLTAR A MORAR EM SUA TERRA NATAL, CATOLÉ… BRINCADEIRA AMIGO, CONTINUI FAZENDO SEU TRABALHO É NESTE TRABLHO QUE VIMOS QUE O SONHO NÃO ACABOU.
    PARABENS PARA ESTE NOBRE JORNALISTA E PARA O BLOG DO CARLOS SANTOS QUE TRAZ ATÉ NÓS UM MODELO DE CIDADÃO QUE SONHAMOS FORMA EM NOSSOS CRIANÇAS.

  10. Cláudia Santa Rosa diz:

    Feliz da sociedade que tem um Cézar Alves e melhor ainda quando a apatia ceder lugar para brotarem milhares de Cézar Alves. Destemido, solidário… cidadão de verdade. Conhecê-lo foi uma dádiva do Twitter. O meu abraço. Parabéns ao blogueiro pela entrevista.

    • cezar diz:

      Realmente lisonjeado, dra Também tenho muita admiração pelo seu trabalho em prol da educação, que deveria ser a base da sociedade e que sem investimento adequado do governo, termina numa situação complicada e refletindo isto na nossa sociedade atual.

  11. Luciano Ricardo diz:

    Cezar Alves parabéns pelo seu caráter, coragem e independência.
    Tenho grande admiração pelo homem e profissional que você é.

    Parabéns cara!!!!

Trackbacks

  1. […] também AQUI entrevista especial que o Blog fez com Cézar Alves, em que assinala seu papel de ativista social, […]

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