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domingo - 09/09/2012 - 03:54h

O corrupto

Por Frei Betto

Padre Vieira, em São Luís do Maranhão, no sermão em homenagem à festa de santo Antônio, em 1654, indagava:

– O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?

A seu ver, havia duas causas principais: a contradição de quem deveria salgar e a incredulidade do povo diante de tantos atos que não correspondiam às palavras. O corrupto caracteriza-se por não se admitir como tal. Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão.

Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis. O corrupto não se expõe; extorque.

Considera a comissão um direito; a porcentagem, pagamento por seus serviços; o desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence. Bobos são aqueles que fazem tráfico de influência sem tirar proveito.

Há muitos tipos de corruptos.

O corrupto oficial é aquele que se vale de uma função pública para tirar proveitos a si, à família e aos amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem custeada pelo erário, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar.

Considera natural o superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas. A lógica do corrupto é corrupta: “Se não faço, outro leva vantagem em meu lugar”.

Seu único temor é ser apanhado em flagrante delito. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver seu nome estampado nos jornais. Confiante, jamais imagina a filha pequena a indagar-lhe: “Papai, é verdade que você é corrupto?”

O corrupto não sente nenhum escrúpulo em receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou andar de carona em jatinhos de empresários. Afrouxam-lhe com agrados e, assim, ele afrouxa a burocracia que retém as verbas públicas.

Há o corrupto privado.

Nunca menciona quantias, tão-somente insinua, cauteloso, como se convencido de que cada uma de sua palavras estão sendo registradas por um gravador. Assim, ele se torna o rei da metáfora. Nunca é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor saberá ler nas entrelinhas.

O corrupto franciscano pratica o toma lá, dá cá. Seu lema é “quem não chora, não mama”. Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção que grassa pelo país.

O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões, enche o latifúndio de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira. Vangloria-se em sua astúcia em enganar a esposa e mentir aos colegas.

O corrupto nostálgico orgulha-se do pai ferroviário, da mãe professora, de sua origem humilde na roça, mas está intimamente convencido de que, tivessem as mesmas oportunidades de meter a mão na cumbuca, seus antepassados não deixariam passar.

O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. Se tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto.

Julga-se um negocista bem sucedido. Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com uma dureza que o faz parecer o mais íntegro dos seres humanos.

Aliás, o corrupto acredita piamente que todos o consideram de uma lisura capaz de causar inveja em madre Teresa de Calcutá.

O corrupto julga-se dotado de uma inteligência que o livra do mundo dos ingênuos e torna mais arguto e esperto do que o comum dos mortais.

Frei Betto é escritor e ex-assessor especial do presidente Lula

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Categoria(s): Artigo / Grandes Autores e Pensadores

Comentários

  1. Sebastião Almeida de Medeiros diz:

    Como é bom, esse Frei Beto!

  2. FERNANDO fF diz:

    Ele fez essa omilia pra Lula e para os Alves Rosado e Maias?

  3. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Só existe uma classificação possível para Frei Betto:
    G Ê N I O!
    Pena que ele seja tão pouco divulgado no Brasil.
    Ganhador de dezenas e dezenas de prêmios literários, reconhecido em todo o mundo como um dos maiores pensadores dos tempos atuais.
    Mesmo assim é muito pouco lido no Brasil.
    O sistema ardilosamente transfere o interesse do público leitor para escritores medíocres, plagiadores até de trechos bíblicos.
    E por que o sistema faz isto?
    Porque interessa ao sistema que ninguém pense, que ninguém questione nada, que todos se tornem imbecis.
    E estão conseguindo isto.
    Além de entronizar os supra-sumos da mediocridade, ainda se utiliza de todos os meios de comunicação para alcançar o objetivo final, que é a total alienação de todos.
    E por que faz isto?
    Para que ninguém tenha discernimento suficiente para perceber os falsos dilemas que são apresentados ao povo a título de escolha dos governantes.
    E assim consegue o sistema manter o poder sempre sob seu controle.
    Que Frei Betto seja mais lido.
    Mas, para que isto aconteça, é necessário divulgar mais este GÊNIO.

  4. CALIBRE 50 diz:

    FREI BETO é simplesmente fenomenal!

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