domingo - 29/06/2025 - 05:26h

A estrada é o destino

Por Honório de Medeiros

Foto produzida pelo autor da crônica

Foto produzida pelo autor da crônica

Toda estrada é um destino. A estrada é o destino, seja metáfora, seja realidade. É nossa história de vida. O começo e o fim de algo inominado. Essência ou aparência. Ínfimo ou descomunal. Ordem ou caos individual.

Para lá onde fica a beira do abismo, limites do seu terreno pedregoso se encaminhava Seu Petronilo, tangendo uma velha, antiquíssima bicicleta caindo aos pedaços.

Parei o carro ao seu lado. Ele me olhou, ressabiado. Dei um bom dia caloroso e ele respondeu no mesmo tom, com o sotaque da Serra, tirando o velho chapéu de massa, respeitoso, condizente com seus aparentes noventa e tantos.

O Senhor vai tomar que rumo?

Meu Senhor, vou pelas beiradas até o Cabeço, se Deus me deixar.

Então eu tou no rumo certo, seguindo em frente.

Tá sim senhor.

Vou lá agora cedo, porque soube que na ponta da Serra, final do Cabeço, as pessoas têm visto umas luzes estranhas, quando chega a noite alta. Quero assuntar. É assim mesmo?

É sim senhor. Eu mesmo fui pastorar uma raposa, num terreninho que tenho por lá, onde crio uns porcos, coisa pouca, era noite de lua grande, e vi essas luzes coloridas rodopiando no céu, indo e voltando, para lá e para cá, bem umas cinco ou seis. Uns caçadores que tavam por perto também viram.

O Senhor teve medo?

Medo mesmo não, porque se tá no mundo é porque Deus quer, até me benzi umas tantas vezes, mas achei meio fora do conforme. Durou um bom pedaço. E eu olhando pro céu, me perguntando o que danado era aquilo.

No final deu tudo certo, não foi?

Mais ou menos. Enquanto eu cuidava das luzes no céu, a raposa cuidou dos meus porquinhos…

Não tive como não rir. Ele riu também, colocou o chapéu na cabeça, pediu licença e tangeu a bicicleta, tomando destino, firme e forte como as rochas que abundam no Cabeço.

Bom dia, Seu Petronilo, fique com Deus.

O Senhor também!

Honório de Medeiros.

Quinta da Aroeira, Cerro, 22 de junho de 2025.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
domingo - 01/06/2025 - 10:10h

Tive medo

Por Honório de Medeiros

Foto em Natal, do autor da crônica

Foto em Natal, do autor da crônica

Nessa rua, da qual somente se percebe um vislumbre, durante o dia raros sãos os pedestres e mais ainda aqueles carros ansiosos, a passarem velozes, em sua busca frenética e atormentada.

Suas poucas casas, inclusive as comerciais, têm grades. Os vizinhos, poucos – ainda os há – não se conhecem, me disse o vigilante que a percorre durante a noite portando um apito, e, na cintura, um cassetete de madeira, para amedrontar os incautos.

Nunca vi crianças correrem em suas calçadas, gritando uma com as outras, brincando despreocupadas, vigiadas por pais amorosos a conversarem serenos, como ocorria na minha meninice.

Entretanto, outro dia vi uma criança grande dormindo no chão. Quis confortá-lo, mas tive medo.

Natal, algum dia de 2024.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
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segunda-feira - 19/05/2025 - 08:26h
Livro

“Potiguariana” mostra acervo do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Livro é um trabalho denso sobre acervo do IHRGN (Reprodução do BCS)

Livro é um trabalho denso sobre acervo do IHRGN (Reprodução do BCS)

Gustavo Sobral e André Felipe Pignataro reuniram suas pesquisas e escritos sobre as peças do acervo do Instituto Histórico e Geográfico do RN (IHGRN) em mais um novo livro sobre a história do Rio Grande do Norte. Trata-se de “Potiguariana IHGRN: peças e histórias da coleção do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte”.

Uma história contada pelos objetos, documentos e obras do acervo do Instituto. Tem o retrato de Felipe Camarão, doado por Alberto Maranhão em 1902 ao Instituto, o Pelourinho da cidade do Natal, o bilhete enviado por Lampião às vésperas da invasão a Mossoró, e a primeira edição do jornal O Natalense, entre tantas e tantas outras relíquias no museu da instituição.

“Fundado em 1902, o Instituto é mais antiga instituição cultural do Rio Grande do Norte em atividade, é biblioteca, arquivo e museu e o seu acervo merece ser conhecido, propagado e estudado. Este livro procura ser uma contribuição”, explicam os autores.

O trabalho conta ainda com a colaboração de Honório de Medeiros que escreve sobre o bilhete de Lampião; Pedro Simões sobre o Barléu; Igor Oliveira sobre numismática; além de um cuidadoso registro fotográfico assinado por Maria Simões que apresenta o Instituto por imagens.

O livro é uma edição da Biblioteca Ocidente (2025, 75p) de Francisco Issac Dantas com designer de Gabriel Araújo e está disponível em edição digital aqui no site www.gustavosobral.com.br , basta fazer o download gratuito. A versão impressa pode ser adquirida diretamente no site da editora: //revistagalo.com.br/selo-bo/

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Categoria(s): Cultura
domingo - 11/05/2025 - 04:44h

A luz de Honório de Medeiros

Capa do livro de Honório de  Medeiros (Foto: BCS)

Capa do livro de Honório de Medeiros (Foto: BCS)

Por Carlos Santos

Enquanto duelo contra meus moinhos de vento (ou gigantes), representados por uma virose, me fortaleço com as reflexões sábias de Honório de Medeiros.

Ele não é Sancho, jamais serei Quixote – e vice versa. Somos irmãos com algum traço de sanidade. E olhe lá.

“Os que dizem não” é seu mais novo livro. Trata-se de um ensaio sobre seres humanos singulares e o pensamento que contraria o rumo da grande maioria da massa gente, através dos milênios.

Faz-me lembrar “O homem medíocre” (1913), do filósofo e escritor argentino José Ingenieros, ensaio que descreve o indivíduo conformista, alienado e comum, atraso à humanidade. É preciso nadar contra a correnteza.

Minha cura em grande avanço, que se diga, passa pela leitura dos que lançam luz na proa. Honório é guia. Rompe as trevas e encara de frente a mesmice coletiva endêmica.

Cá no sertão, à sombra de uma árvore frondosa, dou uma pausa. Mas, meu descanso é a batalha.

Carlos Santos é criador e editor do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 06/04/2025 - 07:30h

Os que dizem não

Por Gustavo Sobral

Foto da capa física do livro

Foto da capa física do livro

Honório de Medeiros descobre o ensaio como forma de expressão e o usa como exercício para expor como a ciência, a história, a filosofia e a literatura trataram a figura do fora do comum, o outsider. Numa forma toda sua, apresenta em livro um ensaio erudito para um tema rebelde.

Um passo de alguém que, ao estudar casos concretos de figuras fora da curva como Massilon e Jesuíno Brilhante, agora sai dos casos em particular para pensar o arquétipo. Também é, observando a obra do autor e o seu último livro, o De uma longa e áspera caminhada (2022), mais um abraço ao exercício de pensar polifônico.

Ler Honório de Medeiros é também ler todos aqueles que foram eleitos para acompanha-lo. Uma bibliodiversidade impressionante e instigante. Talvez, você termine a leitura como uma listinha de autores e livros para ler, porque é um livro que também nos leva para fora.

A leitura corre como um thriller, os assuntos vão se sucedendo, se completando, ou abrindo janelas paralelas (e não). O outsider está lá, como também o seu contrário, o homem comum, e não faltam eles, os cangaceiros, tema caro ao autor, e, nesta parte em especial, o autor é narrador, e temos mais uma camada deste livro.

O livro de Honório de Medeiros é curioso, interessante, novidadeiro, tanto na opção da forma, o ensaio; quanto na eleição do tema, o outsider, sendo ele mesmo, o autor, um outsider ao produzir uma obra incomum. Singular e inclassificável. É o livro do ano.

Publicação caprichada da editora Biblioteca Ocidente, comandada por Francisco Issac Dantas, pode e deve ser adquirido, digital ou impresso, no site da editora: //revistagalo.com.br/selo-bo/os-que-dizem-nao/

Uma resenha sobre o livro anterior: O fio que conecta a trama e uma apreciação da trilogia:  A trilogia de Honório de Medeiros

Gustavo Sobral é jornalista e escritor. Publicou e organizou diversos livros, dentre os quais “As Memórias Alheias” e “Os Fundadores”

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Categoria(s): Cultura
domingo - 30/03/2025 - 06:32h

Pão nosso de cada dia

Por Marcos Ferreira

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Presumo que poucas pessoas se interessem por esse conteúdo, por essa informação. Pois se trata, a bem da verdade, de uma sensaboria, algo de quem parece não ter coisa melhor para dizer. Teimoso, porém, vou contar esta história insípida. É que hoje acordei cedo. Cedinho mesmo: pouco depois das quatro da madrugada. A bexiga estava de fato nas últimas, então fui ao banheiro e não consegui reaver o sono. Volta e meia isso acontece; uma emergência fisiológica. Ainda assim, com o quarto na penumbra e naturalmente frio, retornei para a minha rede e os cobertores.

Vocês sabem que em ocasiões dessa ordem, quando a gente se encontra insone por inteiro ou parcialmente, mil e uma maluquices nos vêm à cabeça. Então nos alcança um monte de besteirol, pessoas e meio mundo de lucubrações. No meio disso, fato corriqueiro, vêm ao meu juízo determinados temas que julgo aproveitáveis, com certo potencial para converter em uma crônica garranchosa.

Recordei-me, por exemplo, de uma dúzia ou mais de amigos que têm (coloco-me no meio deles) esse alumbramento visceral, comunhão, enlace com o exercício da escrita. Sim. É o que estou dizendo. Somos, de forma saudável, reféns espontâneos e um tanto orgulhosos dos vencilhos, das amarras da escrita. Como no verso de Camões, é estar preso por vontade, é servir a quem vence o vencedor. O bardo caolho é fora de série, extraordinário, um fenômeno da poesia. É incomparável.

Então penso, após todo esse nariz de cera, nos meus pares, nos meus amigos literatos, homens e mulheres dominados pelo micróbio da literatura. Alguns desses indivíduos inéditos em livro (por razões que a própria razão desconhece) seguem fugindo da raia, fazem ouvidos moucos ao chamado da Literatura. Lembro, mas que isso fique apenas entre nós, de figuras preciosas e cheias de hesitações como nosso querido arquivo ambulante Rocha Neto. E não apenas o Rocha. Há outros desertores da tinta e do tinteiro nesta Macondo nordestina. Faço aqui a vez de dedo-duro.

O que tanto esperam (insisto que esse assunto fique só entre nós) os senhores Marcos Araújo, Bruno Ernesto, Odemirton Filho, Ailson Teodoro, Raquel Vilanova e, entre outros, Bernadete Lino? Pois é, meus caros. A senhora Bernadete Lino, pernambucana que mora em Caruaru, tem o que verter para o papel. Ela, que me oferece a honra de sua amizade e tem um forte elo com nossa terra, possui uma biografia muito bonita. Estou certo de que um livro seu de memórias, considerando a clareza de seu pensamento e intimidade com nosso idioma, seria uma ótima contribuição às letras. João Bezerra de Castro, gramático vocacionado, pode afiançar o que digo.

A labuta da escrita, perdoem esta metáfora talvez de mau gosto, representa o nosso pão de cada dia, mesmo em se tratando (repito) de personagens que ainda não estrearam em livro. De repente alguém pode saltar e dizer que estou cobrando dos outros uma produção que eu próprio não reúno. Quem isto afirma não está de todo errado, considerando que sou autor de um só livro publicado.

Todavia, para quem não sabe, possuo quase dez títulos inéditos nos gêneros romance, contos, poesia e crônicas, tudo isso à espera de melhores horizontes financeiros ou da possibilidade de ser pego no pente-fino de concursos literário que oferecem premiação em dinheiro e, no mais das vezes, publicam a obra vencedora. Este é o caminho que percorro há tempos.

Ressalto, claro, que estou a anos-luz da fecundidade, da prenhez e dos recursos econômicos de autores de minha estima como Clauder Arcanjo, Ayala Gurgel e o prolífero e versátil Marcos Antonio Campos, três mosqueteiros, três espadachins bem-sucedidos nos salutares duelos com a arte do fazer literário.

Além desses três, e não menos meritórios, temos no País de Mossoró e no estado manejadores da língua portuguesa bem-aventurados como Vanda Maria Jacinto, Fátima Feitosa, Dulce Cavalcante, Margarete Freire, Lúcia Rocha, Júlio Rosado, Caio César Muniz, Cid Augusto, Jessé de Andrade Alexandria, Crispiniano Neto, François Silvestre, Carlos Santos, Inácio Rodrigues Lima Neto, Airton Cilon, Thiago Galdino, Marcos Pinto, Francisco Nolasco, David Leite, Honório de Medeiros, Antonio Alvino e, devido às condições da memória, outros mais que ora não recordo.

Todos, com um nível maior ou menor de arrebatamento, buscam esse pão nosso de cada dia que resulta em crônicas, contos, romances, poemas. No que me toca, enquanto cativo deste mister de arranjar palavras e exibi-las em páginas com um mínimo de qualidade, produzo coisas desse tipo: uma crônica um tanto quanto prolixa, mas sempre com a mão na massa do verbo do qual nos alimentamos.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
domingo - 09/03/2025 - 04:10h

Os habitantes do BCS

Por Marcos Ferreira

Imagem ilustrativa da Web – Creative Sign

Imagem ilustrativa da Web – Creative Sign

Duvidar, não duvido. Pois decerto existe no Brasil e no mundo quem desconheça o significado da nossa familiar sigla BCS, tão notória, por exemplo, quanto SUS, FBI, CIA, ONU ou a temida e extinta KGB, agência de espionagem e polícia secreta da igualmente morta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Alguém ariscará dizer, entre outros equívocos, que se trata de Banco Central da Suíça. É possível, portanto, que existam indivíduos neste planeta que nunca tenham ouvido falar no Blog Carlos Santos (BCS). Além disso, alguns terráqueos não têm conhecimento (ignorância não menos grave) do rol de colaboradores do referido Blog.

Todo domingo, desde tempos imemoriais, cabeças singulares da intelectualidade mossoroense e de além fronteiras do RN exibem as suas tintas neste ilustrado espaço de opinião, arte e cultura. Temos aqueles que marcam presença de modo bissexto, esporádico, contudo há um punhado de articulistas que muito raramente deixam uma lacuna nestas manhãs domingueiras que contam ainda com o brilho e categoria de um sem-número de leitores e comentaristas de alto nível.

Os habitantes do BCS, tanto os cronistas, os poetas, os ficcionistas e, repito, o precioso rol de leitores e comentaristas, mantêm uma sintonia e fidelidade admiráveis. Encontramos neste gueto das palavras várias cucas talentosas, beletristas de responsa. Ninguém pode se queixar da produção intelectual que os homens de engenho deitam dominicalmente entre as quatro linhas desta vitrine da prosa, do verso e, como não poderia deixar de ser, com informes do atacado e do varejo da política norte-rio-grandense, nacional e mundial. Aqui, no tocante à informação e à cultura como um todo, os leitores dispõem de grande sortimento de ideias e debates.

Sendo um pouco indiscreto, permito-me citar os nomes de expressivos escribas que têm concorrido para o brilho e sucesso do BCS. Falo, entre outros, de malhadores de teclados como o próprio Carlos Santos, Marcelo Alves Dias de Souza, Honório de Medeiros, David Leite, William Robson, Marcos Pinto, Odemirton Filho, Bruno Ernesto, François Silvestre, Marcos Araújo e, mais recentemente, surge para enriquecer o escrete um tal de Ayala Gurgel. Este último, a meu ver, representa uma das mentes mais engenhosas e prolíferas da nova ficção norte-rio-grandense.

Quem quiser que diga que estou puxando o saco do BCS e dos seus habitantes dominicais. Não tem problema. O aplauso e a vaia são livres. Vivemos (ao menos até o momento) num país democrático. Sim. A democracia esteve seriamente ameaçada no governo anterior, todavia não sucumbimos ao golpismo.

Creio que em breve o “mito” (o espírito de porco, a degradante alma sebosa que infectou o Brasil, fez pouco-caso dos mortos pela pandemia e zombou de famílias enlutadas) está prestes a conhecer as acomodações de Bangu 8 ou da Papuda. Deixem estar.

Voltando à audiência e relevância do Blog, penso que não existem por aí muitos espaços assim, com tantos e tão bons poetas e prosadores. É um ambiente digital dos mais procurados pelo público leitor. Enfim, agora parodiando aquele frevo do Caetano Veloso, digo que só não vai atrás do BCS quem já morreu.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
sexta-feira - 07/03/2025 - 12:42h
Lançamento

“Os que dizem não”, um livro de Honório de Medeiros

Livro é lançado como ebook e físico (Foto: Reprodução)

Livro é lançado como ebook e físico (Foto: Reprodução)

O escritor Honório de Medeiros está com outro livro à nossa disposição.

“Os que dizem não” é o seu novo trabalho literário. Segundo o autor, trata-se de “experiência de tentar conectar fios soltos em uma trama de urdidura complexa.”

“Pensadores existiram e existem que supõem ser o processo histórico impulsionado por seres humanos singulares.” Uma gente que nada de braçadas contra a corrente, enfrentam as circunstâncias adversas, impulsionando “o processo histórico.”

Físico ou virtual, a gente escolhe como mergulhar nessa obra.

O livro físico pode ser encontrado na Amazon ou na Uiclap. Já Ebook, através da Editora Biblioteca do Ocidente.

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Categoria(s): Cultura
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domingo - 19/01/2025 - 03:34h

O Estado é invenção do tinhoso

Por Honório de Medeiros

Arte ilustrativa (Reprodução)

Arte ilustrativa (Reprodução)

O ESTADO – com “E” maiúsculo, é uma invenção do tinhoso.

Não existe de fato, não é uma “coisa”, é uma abstração, uma ruma de leis e homens no Poder, massacrando, espoliando, manipulando os outros – a imensa maioria, em proveito próprio…

No começo, disseram que o total do “pacto social”, pai do Estado, era necessário para defender os homens comuns dos criminosos,  das doenças, e da ignorância.

A Igreja entrou nessa, para alegria dos reis e seus cortesãos.

O tempo mostrou que é somente conversa fiada, coisa do tinhoso. O que eles – os criadores desse lero – queriam, era ficar por cima da carne seca, no bem-bom, fazendo maldade.

E assim tem sido, desde que o homem deixou de rastejar e passou a andar em pé. Nada mais, nada menos. Tanto é que nada mudou, de lá para cá.

Mas Deus tá vendo!

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
domingo - 08/12/2024 - 08:14h

Vida alheia

Por Honório de Medeiros

Arte ilustrativa Web

Arte ilustrativa Web

Aboletada em um tamborete, na quina da tenda dos temperos, D. Tetê, queixo na mão, compensava a boca fechada com um olhar de águia, curiando os passantes.

Encostei na vizinhança dela, fiz um ar de enfado, e comentei: “detesto quem se incomoda com a vida alheia”.

“Eu também”, respondeu ela de bate pronto, ao mesmo tempo em que se ajeitava no tamborete, se preparando para assuntar.

Foi conversa longa, a nossa. Quase de pé de ouvido, ponteada por uma ou outra gaitada  quando, então, ela mostrava os dentes todos, brancos, limpos com raspa de juá, “desde menina”.

No final, concordamos que não devemos evitar uma ou outra cutucada na vida alheia, moderadamente, nem que fosse para se prevenir dos feitiços da maledicência descompensada dos outros. “Mal, com mal se paga”, ensinou-me ela.

“Temos que rezar, para pedir perdão por esse pecado, não é?”

“Conversa”, disse. “Deus sabe tudo. Ele sabe quem é para perdoar, e quem não é, não adianta pedir”.

Que mais eu poderia dizer? Fui derrubado feito garrote na pega, pela sabedoria de D. Tetê. Fazer o quê?

Tentei uma rasteira: “Se eu aparecer lá na Divisa, comerei uma galinha gorda e um arroz de graxa”? “Se você levar a galinha…”, respondeu, com um muxoxo.

“Tá certo, D. Tetê”. “Já vai? Que pressa é essa?”  “Sua sabença das coisas da vida, é de juntar menino, comadre. Eu levo a galinha gorda. E puxo o tema, para guardar seus ditos e ouvir sua gaitada…”

Juntei os sacos e me danei no mundo, olhando de vez em quando para trás, com medo da língua dela.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 24/11/2024 - 18:24h

O sertão está no sertanejo

Por Honório de Medeiros 

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

“O Sertão está dentro da gente”, disse João Guimarães Rosa.

Pode ser. Quem sou eu, para discordar. Mesmo assim, discordo.

O Sertão está dentro do sertanejo.

Que outro homem andaria em um carrasco igual a esse, cheio de pedras, mato ressequido, poeira, espaço de preás, mocós, punarés, lagartixas, cobras, urubus e cangaceiros, aqui e acolá um juazeiro, no pino do meio dia?

Nenhum.

Entretanto, quando chove, ah!, bom Deus, quando chove, qualquer vivente se encanta com a beleza que desponta em cada canto dessa terra maravilhosa.

Não que a beleza se esconda quando a seca surge.

É outro tipo de beleza, da qual somente se dá conta, com a melancolia que lhe é própria, o homem do Sertão.

Cerro Corá, RN, 15 de novembro de 2024.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e Governo do RN

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domingo - 10/11/2024 - 19:48h

Luzes no céu entre as estrelas

Por Honório de Medeiros

Lagoa do Corá, em Cerro Corá (Foto: Honório de Medeiros)

Lagoa de Cerro, em Cerro Corá (Foto: Honório de Medeiros)

Contemplo a água, os biguás e os cisnes da Lagoa de Cerro. Como veem, estou satisfeito esperando o por do sol.

Lucas e Zé de Maria me garantiram que os sinais de inverno são bons. Eu tinha procurado meu Lunário Perpétuo, para tirar dúvidas, mas não o encontrei. Fiquei mais tranquilo depois da conversa com os meninos da Pousada.

O fura-barreira está construindo seu ninho em lugar alto; o mandacaru florou; as aroeiras estão cheia de cachos e a quentura do fim de outubro, tudo promete, me disseram eles. Falta consultar Genilson e o pessoal do Receptivo.

Sábado vou lá, puxar o tema. Vamos ver.

Daqui a pouco vou subir a encosta até a casa que Deus me permitiu construir com a frente para o nascente, e as costas para o poente. Ivanaldo, o faz-tudo, vai me por a par dos últimos acontecimentos. Vida que segue.

Tomara que de noite faça frio e eu veja luzes se deslocando no céu, entre as estrelas …

Cerro Corá,  31 de outubro de 2024.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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quarta-feira - 06/11/2024 - 04:02h
Acervo

Instituto Histórico começa trabalho sobre Oswaldo Lamartine

Oswaldo Lamartine teve acervo documental entregue por sobrinho (Foto: reprodução)

Oswaldo Lamartine teve acervo documental entregue por sobrinho (Foto: reprodução)

O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) começou trabalho de grande importância à cultura potiguar. Levanta e organiza documentos diversos deixados pelo escritor Oswaldo Lamartine de Faria (1919-2007), autor de uma obra singular sobre o sertão do Seridó.

Uma comissão de integrantes do IHGRN recebeu de Murilo Paiva, sobrinho de Lamartine, material diversificado, como correspondência, manuscritos do autor e até fotografias.

O grupo é formado pelo escritor Gustavo Sobral, estudioso da obra de Lamartine e coordenador da comissão; pelo Diretor de Biblioteca, Arquivo e Museu (BAM), Pedro Simões; pelo Diretor do Departamento de Pesquisa, André Felipe Pignataro; e os sócios Honório de Medeiros e Mara Macedo.

Ainda há o reforço da colaboração consultiva da pesquisadora Ângela Almeida.

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domingo - 29/09/2024 - 12:20h

Père Lachaise

Por Honório de Medeiros

Père Lachaise em foto do autor da crônica (Honório de Medeiros)

Père Lachaise em foto do autor da crônica (Honório de Medeiros)

Père Lachaise. Tarde de frio, vento, e neblina. Tudo cinza, como convém a um cemitério. Ninguém à vista, exceto duas mulheres que se dirigem a mim e me perguntam se lhes posso informar onde está sepultado Azzis, “Le philosophe Azzis”. “Não, desculpem-me, não sei”. Elas se vão. Cochicham. Admiro-lhes o talhe elegante, a beleza madura, até mesmo os guarda-chuvas.

Tento decifrar o mapa do cemitério para ir em marcha batida na busca dos meus mortos queridos. Caminho. É um alumbramento. Em cada canto, história. Túmulos de grandes homens ou mulheres disputam espaço com anônimos. Enterneço-me com a lápide pousada no chão e rodeada de flores murchas. Foi recente o sepultamento.

No canto, solitário, um ursinho de pelúcia cumpre a dura tarefa de velar o morto e render-lhe as homenagens que alguém lhe destinou. Fotografo.

Sigo em frente. Ofereço as flores que carrego comigo a Honoré de Balzac. Rezo, não, converso com ele. Pergunto-lhe por Alexandre Dumas e lhe digo de minhas manhãs, tardes e noites, ainda menino, quase adolescente, preenchidas pelo gênio de cada um deles.

Mais além, rendo minhas homenagens a Oscar Wilde, mas me assusto com alguém que surge de repente, como uma aparição, ao meu lado, e cruzando o braço esquerdo sobre o peito, eleva o direito à face, esconde-a com a mão e põe-se em um isolamento absoluto em relação ao resto do mundo.

A tarde cai lentamente. Anoitece. Tenho que ir, embora não deseje. O instante é mágico. Olho e não vejo ninguém.

Sento em um banco às margens de uma das vias principais e me lanço em uma divagação sem nexo, constituída de fragmentos do presente e do passado: é plena madrugada, estou deitado de costas olhando para a torre da igreja do cemitério e para as estrelas logo acima; agora é a Mossoró da minha adolescência e infância, a Igreja é a de São Vicente, meus amigos de então conversam ao meu lado, mas ninguém dá por mim. Sou adolescente e adulto. Angústia.

Levanto-me e vou embora. A chuva molha meu rosto. Cumprimento a guarda. Chego à rua. A Paris movimentada vem ao meu encontro. Eu sigo mecanicamente, enquanto tento guardar as cores, os cheiros, as sensações, os fatos daquela minha caminhada.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 22/09/2024 - 08:28h
Resenha do Cangaço

Honório de Medeiros fala sobre cangaceiros, política e coronelismo

Na página Resenha do Cangaço, no YouTube, editada e apresentada pelo professor e pesquisador/historiador Lemuel Rodrigues, o convidado dessa sexta-feira (20) foi o escritor Honório de Medeiros.

O bate-papo correu solto entre os dois. Na mesa, literatura, volantes, cangaceiros, a política brasileira e do RN nas primeiras décadas do século passado, coronelismo, o ataque do bando de Lampião a Mossoró em 1927, Jesuíno Brilhante e outros temas que se interligam no tempo e na história.

Tem muita coisa boa nessa conversa.

Aproveite a boa prosa.

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Categoria(s): Cultura / Gerais / Política
domingo - 15/09/2024 - 10:00h

A corrida para o cinza

Por Honório de Medeiros

Foto do próprio autor da crônica

Foto do próprio autor da crônica

O sertanejo nordestino raiz não é muito chegado a que lhe peçam favores. Faz parte de sua cultura que cada um cuide de si, pois Deus cuida de todos.

Entretanto, gosta de ser solidário sem que lhe peçam, pois tal gesto nasce de uma decisão sua, depois de ponderação cuidadosa, na qual o passado do vivente é muito levado em conta.

É claro que isso está desaparecendo na torrente destrambelhada dos tempos:  o rio da vida e suas correntezas estão sendo amoldados pelo chicote castrador das modernidades tecnológicas, que desfaz o que tem substância, transformando-o em farinha rala.

Então é essa corrida para o cinza, onde tudo é igual, e quando aparece um vermelho, amarelo ou verde, com seus matizes, um avalanche de insipidez os desmancha e as cores vivas e belas desaparecem lentamente para que tudo afunde em ordem sem progresso.

Tudo isso me veio à cabeça dia desses, quando de visita ao Serrame do Sertão do Norte de Baixo, mais precisamente na Serra do Camará, lá no Sítio Feijão, quando de uma conversa desapegada, tipo miolo-de-quartinha, que rebentam em qualquer calçada onde tenha mais de um desocupado.

Pois Seu Antônio de Luzia saiu com uma daquelas que até os sabiás cantores,  dos cajueiros que ficam defronte, espiando a conversa, emudeceram. Não é exagero, não. Pode até ser que eles tenham calado o bico espantadas por seu Antônio ter falado.

Ele começou uma das suas raras conversas, no fim da tarde, quase na hora coalhada, dizendo assim: “Outrora…” Todo mundo parou para escutar, mas eu notei que João de Cota ficou mais cismarento que os outros.

Depois do dito, quando saímos caminhando no rumo das ventas, que é como chamamos esse descambo para o centro, João de Cota me perguntou: “Homem de Deus, o que danado é esse ‘outrora'” que Seu Antônio falou?

Fiquei macambúzio um pedaço. Como dizer para ele que essa palavra, mais que uma palavra, é uma era que estava desaparecendo?

Uma era encoivarada por uma atualidade despida daquela magia que as coisas arcaicas possuem e exalam, como uma água-de-cheiro antiga, uma toada de viola perdida no ontem, o sabor de uma comida da nossa meninice, preparada na banha de porco, que se foi sem deixar rastro, o sorriso gaiato de uma bela mocinha que passa para a missa dominical sustentando um olhar e um meio sorriso a dizer tudo, sem prometer coisa alguma?

É difícil. Muito. Sei que respondi secamente: é o mesmo que “antigamente”, ele até se assustou, e não é do meu feitio, mas eu estava mentindo, pois não era somente isso.

Tanto não era tal qual, que amanhã, um por de sol nunca vai ser igual àquele que eu via naquele instante, enquanto caminhava na roça, os sabiás cantando, a noite se indo, enquanto e uma ou outra estrela despontava, ainda tímida, e nos fazia companhia, a zombar de nossa ignorância…

Ô Deus, que saudade.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 08/09/2024 - 10:28h

Balaio de gatos

Por Honório de Medeiros

Gatos (Foto do autor da crônica)

Gatos (Foto do autor da crônica)

Os três bem juntinhos, enrodilhados uns nos outros. O vigia observando.

Minha sombra se projeta por sobre a trilha, enquanto na margem esquerda, da mata que margeia o lago, escuto o deslocamento do gato Rei, que nunca aparece.

Já contei, lá, certa vez, treze. Dizem que vai a vinte ou mais.

Seu T me disse que tanto gato assim, liderados pelo gato Rei, sempre entre a água, de um lado, e o bosque de pedras do outro, com a estradinha no meio, tem a ver com a história dos três rapazes.

Eu vinha de um samba, contou ele, lá pelas três da manhã e, no mesmo canto vi, em sentido contrário, três rapazes vindo.

Não falavam nada, não vi seus rostos, só andavam. Roupa comum. Passei por eles, dei com a mão, olhei pelo retrovisor, olhei pelo outro, pelo vidro traseiro, e nada.

Tinham sumido. Parei o carro, desci, botei os olhos para tudo quanto era canto, e nada. Me arrepiei todo, me benzi, entrei no carro, o coração saindo pela goela, e disparei.

Você já tinha ouvido essa história, perguntei. Já, mas não  me lembrei, na hora. E o que mais me impressionou, depois, foi que eu não me lembrava do rosto deles.

Era como se eu não tivesse visto. E não vi. Seu T não é homem de mentiras. Não que eu saiba.

Cerro Corá, Estrada dos Flamboyants, 1 de maio de 2024.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
domingo - 25/08/2024 - 08:30h

O Estado é um negócio

Por Honório de Medeiros

Arte ilustrativa extraída da página Ministério Fiel

Arte ilustrativa extraída da página Ministério Fiel

Pedro deve ter uns dezenove anos. Magro, magérrimo, seu corpo ossudo sobra dentro da farda do supermercado. Há sinais claros de subnutrição. No rosto espinhudo um sorriso nervoso aparece e desaparece sem conexão com o que ele diz: sorri quando fala sério, fica sério quando parece brincar com a própria desdita.

Pedro está noivo: quer casar logo, mas não pode. Pergunto-lhe se estuda. “Não tenho tempo”, diz. “Pego aqui às oito da manhã e só largo lá pras oito da noite, e, aí, tenho que pegar ônibus pra Zona Norte, do outro lado de Natal, é quase hora e meia de viagem, chego cansado, só penso em dormir, nem a noiva eu vejo”.

“Está comprando as coisas para o casamento?”, pergunto. “Nada!” “A gente recebe um cartão do supermercado quando entra no trabalho e vai comprando, comprando, lá pra casa mesmo, pros meus pais, e no final do mês quase não recebe nada em dinheiro.” Faz uma pausa e continua: “mas minha noiva tá procurando emprego”.

“Ela estuda?”, continuo. “Terminou o segundo grau, mas não foi em frente por que tem que ajudar em casa.” Pedro segue arrumando as mercadorias nas sacolas enquanto conversa comigo. Diz para mim que folga uma vez por semana, “às vezes”, já que quase sempre aparece um trabalho extra na empresa. E afirma enfático, que vai voltar a estudar, “é só as coisas melhorarem.”

Pedro não sabe, mas sua turma tende a aumentar cada dia mais. A lógica do capital predatório é essa. E anda cada dia mais sofisticada: nos círculos íntimos do Poder o Estado é tratado como “business”. Os termos usados pelos gestores públicos pertencem ao mais fino dialeto econômico/financeiro: é “destino econômico” para cá, “benefícios fiscais” para lá, “mercado interno” ali, “agenda de desenvolvimento” acolá.

É preciso “vender” o Estado, dizem eles. É preciso “captar” investidores, entoam. Pura lógica do capital predatório que amealhando corações e mentes desprevenidos ou ávidos, induz sua entrega à tarefa menos árdua e mais prazerosa de semear facilidades, mão-de-obra barata e grata e outros mimos ao custo óbvio de almoços, jantares, e viagens, para os predadores de fora e os vendilhões de dentro, loucos para espoliar mais uma caterva de ingênuos sob a batuta firme, comprometida e alienada da administração pública, salvo as exceções de praxe.

Vão se multiplicar, leio na imprensa, graças às injunções dos sábios conselheiros da Corte ante os maestros da economia brasileira, as empresas, Brasil afora. Elas vêm aí com o ansiado desenvolvimento econômico: lépidas e fagueiras, sem pagarem impostos, sem darem qualquer contrapartida para o resgate do atraso social, “mas gerando riqueza e empregos”, tal é a propaganda infernal dos publicitários chapa-branca.

Riqueza para os ricos e empregos-farsas para os Pedros da vida, as Taís da vida – garçonete noite-e-dia em um “fast-food” desses que pululam por aí, a esconder rápido, um dia desses, suas lágrimas derramadas pelo filho recém-nascido e doente deixado em mãos estranhas enquanto o emprego é defendido com unhas e dentes; os Josés da vida – empregado de uma indústria “captada” no Sul maravilha, imposto “zero”, contribuição nenhuma, – quase um escravo, tal sua jornada de trabalho.

E tudo continuará como sempre foi, desde que o mundo é mundo, por que essa história se repete há muito tempo, desde que o primeiro espertalhão cercou um lote de terra e disse que “era dele”.

Quem duvidar da história de Pedro, Taís, José, procure a Justiça do Trabalho. Leia os processos. Delicie-se com a expropriação da força de trabalho da nossa classe média mais baixa. Com a história daqueles que sustentam este arcabouço todo do Estado, reproduzindo, cada vez mais sofisticadamente, o modelo de exclusão social no qual vivemos.

Projete, a partir daí, o futuro de nossa “juventude cinzenta”, aquela que se contrapõe à “juventude dourada” – os filhos das elites. E esqueça os excluídos: esses sequer constam corretamente nas nossas estatísticas governamentais, a não ser muito por cima, como quando imaginamos quanto a economia marginal (a dos “bicos”), aquela à margem do Governo, produz dia-a-dia.

Enquanto isso, enquanto o Estado é apenas um instrumento de opressão, consequência de um longo surto atrasado e colonial de um capitalismo ingênuo e predatório – Pedro, Taís, e José não sabem, mas a cada momento aumenta o custo social que eles têm que pagar para sobreviverem nesta selva de pedra: não há políticas públicas, não há projetos sociais, não há ações governamentais planejadas, não há governo, enfim.

Portanto a eles e a seus filhos estão destinadas escolas decrépitas e sem professores; postos de saúde sem médicos e sem remédios; bairros e ruas com postos policiais abandonados, viaturas policiais inapropriadas, quebradas e sem gasolina; e a imensa massa de servidores públicos trabalhando como se estivessem em pleno século XIX, para gerar espoliação da mão de obra barata.

E como os Pedros, Taíses e Josés vicejam na lama obscura da alienação, terminam achando que plano de saúde, escola particular, automóvel, lazer, cerca elétrica, carro blindado, segurança privada é, pela ordem natural das coisas, algo ao qual somente os ricos têm acesso.

Seguem em frente a venderem seu suor, seu sangue, sua vida, a preço vil.

Ah, Jesus…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 18/08/2024 - 12:42h

Neblina miúda, garoa

Por Honório de Medeiros

Foto ilustrativa feita pelo próprio autor da crônica

Foto ilustrativa feita pelo próprio autor da crônica

Cedo da manhã, umas cinco e pouco, afastei a cortina e sondei o céu. Neblina miúda. Lá para cima do mapa, chamam garoa.

Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso. Fiz um café forte, tomei uma talagada boa, troquei de roupa e tomei rumo, sorvendo aquela névoa que molhava tudo.

A passarinhada voava rasante, cantando forte, lambendo o espelho d’água da Lagoa dos Flamboyants, chamando a atenção dos biguás que implicavam com as garças. Bicho do canto sinistro!

Caminhei até a embocadura onde fica a pedra da mesa e, mais longe, uma soberba aroeira. Olhei para um lado, olhei para o outro, rezei um Padre Nosso, e resolvi subir mais um pouco.

Podia ter lama, escorregão, cobra, aranha… Queria subir umas pedras majestosas no fundo do terreno, na aba da trilha para a Serra. Cheguei.

Barulho de asas sustentando voo.

Uma coruja, linda, pousou mais além e ficou olhando desconfiada. Descobri sua toca, entre as pedras.

Cumprimentei-a, respeitoso, e peguei a volta.

“Ninguém se perde no caminho da volta”, disse Zé Américo.

Será?

Cerro Corá, 4 de abril de 2024.

Honório de Medeiros é ex-secretário da Prefeitura de Natal, do Governo do RN, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 11/08/2024 - 04:00h

Conhecimento

Por Honório de Medeiros

Foto de autoria do próprio cronista

Foto de autoria do próprio cronista

Imagine uma semente, o fruto de uma árvore que a gerou. Ela medra, se desenvolve, suas raízes mergulham no chão em busca de alimento, o tronco cresce, veem os galhos, ramos e folhas em busca do céu. Frutos virão. O ciclo continuará.

Assim é o conhecimento. Não começa do nada. Antes de qualquer ideia – a semente – outras propiciaram seu surgimento. Suas raízes são buscas de comprovações, no passado, que darão suporte à sua existência, mergulhando fundo no conhecimento anterior.

Seus galhos, ramos e folhas desenvolvem-se rumo ao infinito. Os frutos são colhidos por todos nós.

Os frutos do conhecimento vão se transformar em outras árvores, e não há limite para o tamanho da floresta.

Em cada um de nós há uma floresta. Se nos dermos as mãos, deixarmos de lado o que nos separa, dia haverá que seremos Um que são Todos.

Natal, “Ventos Uivantes”, 27 de novembro de 2023.

Honório de Medeiros é ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN, professor e escritor

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  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
sábado - 10/08/2024 - 07:24h
De volta

A hora azul de Marcos Ferreira

Foto de Marcos Ferreira aos quatro anos de idade (Reprodução de acervo pessoal do autor)

Foto de Marcos Ferreira aos quatro anos de idade (Reprodução de acervo pessoal do autor)

Amanhã, outro domingo, o domingo 12 de agosto de 2024, a gente de novo vai se encontrar com cronistas, articulistas, colaboradores do “Nosso Blog” – batismo dado pela querida Naide Rosado, lá daquela lonjura do Rio de Janeiro-RJ.

De novo com eles:

Honório de Medeiros;

Bruno Ernesto;

Odemirton Filho;

Marcelo Alves.

Teremos mais. Uma penca dessa igualha.

Dia para recebermos de volta Marcos Ferreira, o poeta, o cronista, o contista, o romancista, o escritor, nosso amigo.

Domingo desses, finzinho do mês que arribou há pouco, ele escreveu a última crônica.

Nem dei o cabimento de ligar, me lamuriar e pedir-lhe com mãos postas e joelhos no chão, que retornasse. “Volte, Arlindo Orlando…”

Esperei. Sou psicólogo formado nessa sinuosa estrada da vida e cuido de muitos, a ponto de incontáveis vezes esquecer de mim mesmo.

Hora de aguardar o tempo de Marcos Ferreira, deduzi. Elementar, meu caro Freud.

Em “A bagaceira”, José Américo de Almeida (1887-1980) definia: “Ninguém se perde no caminho da volta, porque voltar é uma forma de renascer.”

Até amanhã, meu caro.

Acompanhe o novo Instagram do Blog Carlos Santos clicando @blogcarlossantos1

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Categoria(s): Comunicado do Blog / Crônica
domingo - 28/07/2024 - 11:22h

A vida como ela é

Por Honório de Medeiros 

Reflexo, na água, do Templo Expiatório da Sagrada Família, obra de Antoni Gaudi (Foto do autor)

Reflexo, na água, do Templo Expiatório da Sagrada Família, obra de Antoni Gaudi (Foto do autor)

Na Rue de Lutèce, entre o Boulevard du Palais e a Rue de La Cité, em algum lugar conhecido por muitos poucos, o literário “La Mémoire de L’homme” cumpre sua missão de preservar histórias abandonadas pela humanidade.

Da mesma forma, por outro ângulo, na Barcelona gótica (Barri Gòtic), o “Cemitério dos Livros Esquecidos”, do qual nos deu conta Carlos Ruiz Zafón na bela tetralogia “A Sombra do Vento”, arquiva, em seus infinitos desvãos, tudo quanto a loucura e a sanidade dos homens ousou escrever ao longo do tempo e terminou encaminhado às traças.

Também alberga essa missão a Biblioteca de Babel, descrita por Jorge Luis Borges em “Ficções”, de 1944, que nos fala do mundo constituído por uma biblioteca sem fim, que abriga uma infinidade de livros possíveis e impossíveis, e que somente o gênio do argentino foi capaz de nos persuadir de que sua existência é fictícia.

São histórias abandonadas tais quais aquelas vividas pelo velho militar a quem deu tempo e voz Alain de Botton em “Nos Mínimos Detalhes”:

– “Ele não tinha nenhum biógrafo para recolher suas palavras, para mapear seus movimentos, para organizar suas lembranças; ele estava vazando sua biografia para o interior de inúmeros receptores, que o ouviam por um momento, e então lhe davam uma pancadinha no ombro, e partiam para suas próprias vidas. A empatia dos outros era limitada às exigências do dia de trabalho, e assim ele morreu deixando fragmentos de si dispersos casualmente em meio a uma caixa de cartas esmaecidas, fotografias sem legenda reunidas em álbuns de família e histórias contadas a seus dois filhos e a um punhado de amigos que marcaram presença no funeral em cadeiras de rodas”.

É a vida, tal como é.

Barcelona, 19 de dezembro de 2014.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
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