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domingo - 29/12/2019 - 09:00h
Vida

A família está à mesa em sua melhor terapia

Estudos associam a oportunidade de fazer refeições juntos com melhorias na saúde física e mental

Por Anna Fishel (Tradução de Cecilia Inamura para o portal Nexo)

Como terapeuta familiar, eu frequentemente tenho o impulso de instruir famílias a irem para casa e jantarem juntas, ao invés de passar uma hora comigo. E 20 anos de pesquisa na América do Norte, Europa e Austrália fundamentam o meu entusiasmo por refeições em família.

Sentar para uma refeição noturna é ótimo para a mente, o corpo e o espírito. E aquele jantar não precisa ser uma refeição elaborada que demorou três horas para ficar pronta, nem precisa ser feita com ingredientes orgânicos como rúcula ou pastinaga.

Um hábito que vai muito além do que está à mesa, mas sobretudo cria e fortalece laços (Foto: reprodução)

Para começo de conversa, pesquisadores descobriram que, para crianças, a conversa da hora do jantar enriquece o vocabulário mais do que a leitura em voz alta. Os pesquisadores contaram o número de palavras raras — não encontradas em uma lista das 3 mil palavras mais comuns — que as famílias usavam durantes as conversas na hora do jantar.

Crianças mais novas aprenderam 1.000 palavras raras na mesa de jantar, comparadas a apenas 143 com pais lendo histórias em voz alta. Crianças com um vocabulário mais amplo começaram a ler mais cedo e com mais facilidade.

Crianças mais velhas também colhem benefícios intelectuais de refeições em família. Para aquelas em idade escolar, a hora da refeição é um preditor de alto rendimento mais significativo do que o tempo passado na escola, fazendo lição de casa, esportes, ou arte.

Outros pesquisadores reportaram uma associação consistente entre a frequência de jantares em família e o desempenho acadêmico de adolescentes. Adolescentes que faziam refeições em família de cinco a sete vezes por semana eram duas vezes mais propensos a tirar notas boas na escola do que aqueles que jantavam com a família menos de duas vezes por semana.

Faz bem para o corpo

Crianças que comem regularmente com a família também consomem mais frutas, vegetais, vitaminas e micronutrientes, assim como menos frituras e refrigerantes. E os benefícios nutricionais se mantêm mesmo depois que as crianças crescem: jovens adultos que faziam refeições em família na adolescência são menos propensos à obesidade e mais propensos a comer de forma saudável quando vão morar sozinhos.

Algumas pesquisas até encontraram uma conexão entre a regularidade de refeições em família e a redução de sintomas de problemas de saúde, como a asma. O benefício pode se dever a dois possíveis resultados das refeições em família: níveis de ansiedade mais baixos e a oportunidade de checar se a criança está tomando os remédios.

Não é só a presença de alimentos saudáveis que leva a todos esses benefícios. A atmosfera do jantar também é importante. Os pais devem ser acolhedores e engajados, ao invés de controladores e restritivos, para encorajar a alimentação saudável dos seus filhos.

Mas tudo isso não se aplica se a televisão está ligada durante o jantar. Em um estudo, crianças americanas do jardim de infância que assistiam à televisão durante o jantar eram mais propensas a estar fora do peso até a terceira série. A associação entre assistir à televisão durante o jantar e sobrepeso em crianças também foi observada na Suécia, na Finlândia e em Portugal.

Comida para a alma

Além disso, um conjunto de estudos relaciona refeições em família com a diminuição de uma série de comportamentos adolescentes de alto risco que os pais temem: fumar, beber excessivamente, uso de maconha, violência, problemas escolares, transtornos alimentares e atividade sexual. Em um estudo com mais de 5.000 adolescentes do estado americano de Minnesota, pesquisadores concluíram que a regularidade de refeições em família estava associada a menores taxas de depressão e pensamentos suicidas.

Em um estudo muito recente, crianças que foram vítimas de cyberbullying reagiam com mais prontidão se costumavam comer com as suas famílias. Jantares em família foram indicados como um impedimento a comportamentos de risco mais poderoso do que presença na igreja ou boas notas.

Também existem associações entre a regularidade de refeições em família e bom comportamento, não apenas a falta de comportamentos ruins. Em um estudo na Nova Zelândia, uma frequência mais alta de refeições em família estava fortemente associada a bom humor em adolescentes.

Similarmente, outros pesquisadores demonstraram que adolescentes que jantam regularmente com as suas famílias também têm uma visão mais positiva do futuro, comparados aos seus pares que não comem com os pais.

O que tem de tão mágico nas refeições?

Na maior parte dos países industrializados, as famílias não fazem o cultivo, tocam instrumentos ou costuram colchas na varanda juntas. Então, o jantar é a forma mais confiável de familiares se conectarem e descobrirem o que está acontecendo com cada um. Em uma pesquisa, foi perguntado a adolescentes americanos quando era mais provável que eles conversassem com os seus pais: o jantar foi a resposta vencedora.

Crianças que jantam com os pais sofrem menos estresse e têm relacionamento melhor com eles. A conexão diária durante as refeições é como um cinto de segurança para viajar pelas esburacadas estradas da infância e da adolescência, com todos os seus comportamentos de risco possíveis.
É claro que o verdadeiro poder das refeições está na sua qualidade interpessoal. Se os membros da família sentam em silêncio, se os pais gritam um com o outro ou repreendem seus filhos, os jantares em família não renderão resultados positivos.

Dividir um frango assado não vai transformar magicamente as relações entre pais e filhos. No entanto, o jantar pode ser o momento do dia em que pais e filhos podem compartilhar uma experiência positiva — uma refeição bem preparada, uma piada, uma história —, e esses pequenos momentos podem preparar o terreno para a criação de conexões mais fortes longe da mesa.

Anne Fishel é autora de “Home for Dinner” (“Em casa para o jantar”, em tradução livre) e professora associada de psicologia da Universidade de Harvard (EUA)

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Categoria(s): Gerais

Comentários

  1. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Concordo plenamente. Momento singelo de congraçamento familiar. Sim, educativo, muito! Todavia, nem sempre podemos usufruir desse encontro produtivo. Aqui, as crianças, netos, chegam da escola prontos para o almoço o jantar, ou seja, com fome. Tomam banho e já reclamam pela alimentação. Ora, não podemos dar-lhes um tira-gosto. Atrapalharia a refeição principal. Os outros membros da família chegam bem mais tarde. Não há como esperá-los. Não estão brincando, estão lutando justamente pelo que é servido à mesa. Trabalhando. Entretanto, tiro proveito da inteligência e conselho do brilhante texto. Desligarei a televisão.

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