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domingo - 29/10/2017 - 09:19h

A linguagem de cada tempo

Por François Silvestre

“Cessem do sábio Grego e do Troiano/ as navegações grandes que fizeram;/ Cale-se de Alexandre e de Trajano/ A fama das vitórias que tiveram;/ Que eu canto o peito ilustre Lusitano,/ A quem Netuno e Marte obedeceram:/ Cesse tudo o que a Musa antiga canta,/ Que outro valor mais alto se alevanta”.

Camões inicia duas aventuras épicas. A intencional: de responder a Homero que fincara nos versos a aventura dos gregos e a Virgílio, que cumprira papel semelhante na origem da aventura latina.

A segunda não foi intencional: estruturar o esqueleto de um idioma. A “última flor do Lácio, inculta e bela”; do dizer de Bilac. Que responderia à pergunta do tempo: “ora direis ouvir estrelas”.

Era o português uma algaravia, desde 1139, (Sec. XII) que se confundia com o galego, a linguagem da Galícia. Ganhou contorno morfológico com a obra teatral de Gil Vicente e o Cancioneiro de Garcia de Resende, (Sec. XV). Porém, foi a épica camoniana (Sec. XVI) que teve o mérito de criar o arcabouço sintático da língua que nos define.

Os Lusíadas, muito mais do que a louvação heróica das aventuras marítimas, é uma fábrica de metáforas. O forno que modelou uma forma de compor versos, na língua nascente.

A metáfora consegue remodelar o conteúdo opaco para fazê-lo brilhante, na forma recriada. Não fosse ela, a poesia seria apenas uma repetida composição de rimas. Sonoridade vocálica, pobreza poética.

A rima, nos Lusíadas, é pobre. Combinando mais das vezes desinências verbais. A metáfora, não. E é delas que ele tira a tintura dos versos para engrandecer pequenos atos. Ao dar-lhes feição maior do que o gesto.

A aventura grandiosa da circunavegação Lusitana vai se desenrolando ao apelo metonímico da mitologia. Com a cumplicidade de Vênus e Marte, sofrendo a oposição de Baco e Netuno.

A metáfora produz poesia. Ela é a rainha das figuras na composição do estilo. Dando nós onde há linha lisa e alinhando a linha onde há nós. Mesmo que seja poesia de pedra, rústica ou polida. Afagando o ouvido ou a leitura.

Dante, Shakespeare, Neruda degustaram metáforas. E deram vida à poesia nossa de cada dia. O resto não é resto, é metáfora do que resta da sobra. Onde se escondem os verbos nos porões da zeugma ou se omitem os nomes, nos escaninhos da elipse.

Aí não se pode esquecer a política nossa de cada noite. No Brasil de hoje, só a língua, mesmo maltratada, ampara a Pátria.

Só que a metáfora na política é a tentativa de esconder a verdade, muitas vezes feia, para vender a mentira falsamente bela. E o povo, metáfora da abstração, deixa-se enganar concretamente na mesma cumplicidade da metafórica democracia de faz de conta.

Na circunavegação da falsidade, institucionalmente estabelecida, senhora dos poderes e controles, o embuste ético humilha a língua de Camões. Té mais.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Poesia

Comentários

  1. François silvestre diz:

    Carlos, o texto foi enviado incompleto. Sou dos tempos da liteira. Veja se você arruma. Abraço

    • Carlos Santos diz:

      NOTA DO BLOG – Percebi que havia algo solto. Mas já dei meu jeito.

      Carreguei o restante da mercadoria, como bom cabeceiro que sou, mesmo sem maior rigidez nas canelas de talo-de-coentro.

      Resolvido.

      Bom domingo.

      Agora foi à boia.

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