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domingo - 25/08/2019 - 09:10h

De senhor embaixador e filho de guaiamum

Por Paulo Linhares

Que têm a ver Érico Veríssimo e Elino Julião? Por desconcertante que isto possa ser para alguns, muitas coisas os unem, a partir da plataforma comum de que ambos foram artistas, no sentido mais profundo e legítimo dessa palavra. O primeiro, escritor gaúcho e um dos maiores romancistas da literatura brasileira.

Um dos belos romances de Veríssimo, de sua fase mais madura, “O Senhor Embaixador”, narra o livro a vida na republiqueta fictícia de Sacramento, um estado-ilha latino-americano, tendo como personagem central o embaixador desse pequeno país nos Estados Unidos da América, o velho  militar Gabriel Heliodoro que é íntimo do sanguinário ditador de Sacramento.À frente de numerosa família, Gabriel rompe com a esposa Franscisquita e família, indo viver a aventura de um duplo romance ao lado de uma amante glamourosa, a  sua conterrânea  Rosalia Vivanco, e de Frances Andersen, americana branca, loira, fútil e rica.

Na trama, faz contraponto com o corrupto e dissoluto embaixador Gabriel, o jovem Pablo Ortega, secretário da embaixada, com menos de 30 anos, filho e neto de revolucionários que, apesar de hostil à ditadura de seu país, mantém um relacionamento de amizade com aquele. Outras personagens comparecem num cenário de muitas tramas individuais, além de um movimento revolucionário que abala Sacramento. Enfim, uma excelente obra literária de Veríssimo conhecido pelas personagens complexas, a riqueza com que são construídas suas as tramas.

Por seu turno, Elino Julião, foi um dos mais notáveis compositores da música nordestina, do estilo “baião” tornado célebre por Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos e Sivuca, entre outros. A lembrança aqui focaliza uma canção de autoria de Julião, um dos seus grandes sucessos, “Filho de Goiamum”, naquela estrofe primeira que diz: “É filho de guaiamum/ É filho de guaiamum/ Todo mundo tem um pai/ E eu não tenho um (…)”.

E o que isso tem a ver com o “Senhor Embaixador”? Quase tudo! Ora, o presidente Bolsonaro tem mostrado uma inequívoca propensão autoritária no comando do governo da República, quando trata com enorme e não menos irresponsável desdém importantes instituições jurídico-políticas e valores fundamentais das sociedades civilizadas.

A sua insistência em entronizar o filho Eduardo Bolsonaro no posto de embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América tem dado azo a inacreditáveis bizarrices. Exemplo disso foi o que disse o presidente em entrevista à jornalista Leda Nagle, quando defendeu que se o novo embaixador do Brasil em Washington “tem que ser filho de alguém, então por que não pode ser o meu?”.

Uma coisa é certa: filho de goiamum não pode ser embaixador; é sempre filho de alguém, sobretudo, “filho d’algo” como se dizia antanho, que se torna embaixador. O problema é que Eduardo Bolsonaro, a despeito de ser o deputado federal que obteve maior votação em 2018 e de ser o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, teima em ser o embaixador do Brasil em Washington.

Ora, o nosso primeiro embaixador nos EUA foi nada mais nada menos que Joaquim Nabuco; depois, manteve-se a tradição de manter naquele posto diplomático os melhores quadros do Itamaraty. Enfim, ser embaixador dor Brasil nos States não é tarefa para amadores, sobretudo, para quem fala um inglês macarrônico e cuja maior experiência naquele país foi fritar desqualificados hamburgers, se é que estes podem ser tidos como comida aceitável.

Fato é que o ônus do presidente Bolsonaro para entronizar o seu polêmico filho Eduardo na embaixada do Brasil em Washington é enorme. Além de ser essa investidura contrária à tradição da diplomacia brasileira, constituiria inequívoco caso de nepotismo.

Mais grave é que, na obrigatória sabatina de Eduardo Bolsonaro no Senado Federal, dificilmente será aceita: em números atuais, o jovem Bolsonaro obteria míseros 14 votos num universo de 81, o que deixa claro que ninguém de juízo gostaria de ver no posto mais importante da diplomacia brasileira alguém inexperiente e, o pior, claramente um sabujo das reinações de mister Trump. Nos últimos dias, o presidente Bolsonaro tem mostrado cansaço nessa empreitada: fazê-lo o senhor embaixador do Brasil em Washington pode representar um enorme e desnecessário desgaste.

Enfim, o menino Bolsonaro não deve ser o nosso embaixador em Washington. Se o pai, tiver algum juízo. Se mantiver o fantástico argumento de que, repita-se, “tem que ser filho de alguém, então por que não pode ser o meu?”, deverá sofrer grande derrota política.

Vai o presidente Bolsonaro bancar isso? Talvez não, aliás, já dá mostras de que mandar o seu serelepe filho para babar o alaranjado Trump implica incompensáveis ônus políticos. O Brasil não precisa desse canhestro senhor embaixador, mesmo que não seja um reles filho de guiamum. É mais da conta!

Paulo Linhares é professor e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. João Claudio diz:

    Revoltado com o fracasso do PT e ‘doidin’ que o criminoso Lula volte ao poder.

    Tá ou num tá?

  2. Q1Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Que Artigo excelente! Não li ” O Senhor Embaixador”. Algo na descrição me lembrou a República Dominicana de Rafael Trujillo e Porfírio Rubirosa. Flashes. Julião, com ” Filho de Goiamum” é certeiro! Veste o texto exemplarmente. Uma ideia descabida, a de Bolsonaro. Nossa diplomacia tão festejado com o desempenho de Rui Barbosa, “Águia de Haia”, fatalmente se arranharia.

  3. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Caro Professor Paulo Linhares, parabéns pelo artigo e,sobretudo pela honrosa, oportuna e inteligente analogia que nos remete ao mesmo tempo a historia da literatura através de Érico Veríssimo, e, do controverso e vergonhoso processo histórico/político que estamos sendo, praticamente, obrigados vivenciar, sob risco , inclusive de desmoronamento iminente do pouco que resta do nosso Estado Democrático de Direito.

    Todavia, dado o contexto que estamos sendo obrigados vivenciar através das múltiplas facetas obscurantistas encetadas pelo Governo Burro Nariano, seus $inistros De Estado, Milicos adestrados, Pastores Picaretas, juntamente com seu milhões de adeptos, os quais continuam latentes, atuando e latindo em todas as direções, não nos resta outra posição e opção, senão denunciá-los, com máxima veemência e frequência, possíveis.

    Como se sabe, a conhecida Tchurma de Olavetes e Burro Narianos (ÀQUELES QUE POSSUEM NO MÁXIMO 1,5 NEURÔNIOS) , sejam eles monarquistas, jornalistas subornáveis, comentaristas apopléticos adeptos do terra planismo e inocentes úteis/inúteis sempre de plantão, também, supostos revolucionários e adeptos de Fak News no café da manhã, almoço e jantar, continuam atuantes nas sombras da internet, afirmando que as Ong’s são o terror do mundo e que é perfeitamente normal a tarde virar noite e a noite, de repente , não mais que de repente…virar dia…!!!

    A propósito do começo da terra arrasada que se prenuncia. Manchetes do insuspeito G!, participante ativo do golpe ainda em curso:

    Governo foi alertado pelo MP três dias antes de ‘dia do fogo’

    Focos de queimada superam a média histórica de agosto, diz Inpe.

    Bolsonaro faz afirmações na Quinta e, logo após, Sexta feria, ele mesmo desmente.

    Ruralista eleitores e financiadores de Bolsonaro, participes diretos do dia do golpe, os senhores fazendeiros, grilheiros, mineradores e milicianos daqui e de alhures e ruralistas do centrão, afirmam: temos apoio do nosso capitão invencível, sendo que ele já determinou, só temos uma solução, ou seja, desmatar e queimar tudo que estive à frente.

    NO CASO, COMO HUMILDE E DESCONHECIDO WEB-LEITOR,POR VÁRIAS E VÁRIAS VEZES AFIRMEI E INFORMEI, OS BURRO NARIANOS JUNTAMENTE COM SEU CAPITÃO MOTO SERRA, , QUEREM POR QUE QUEREM NOS LEVAR DE VOLTA À IDADE MEDIA , TANTO NOS COSTUMES QUANTO NA ECONOMIA.

    SE O INCENTIVO ABSOLUTO DESABRIDO E MANIFESTO AO CRIME DE LESA PÁTRIA QUE É A DEVASTAÇÃO INTEGRAL DA FLORESTA AMAZÔNICA SE PERPETRAR COMO QUER EFETIVAMENTE O CAPITÃO MOTO SERRA CHAMADO JAIR MESSIAS ASCO NARO, A IDADE SERIA O MELHOR DOS MUNDOS…!!!

    TAI, OS RESULTADOS INICIAIS, NÃO NOS DEIXAM CALAR…!!!

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  4. João Claudio diz:

    Se não estiver gostando do capitão, a saída é simples:

    Pegar um avião e se mudar para Cuba ou Venezuela.

    Mais simples, IM-PO-SSÍ-VEL.

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