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domingo - 05/07/2020 - 07:46h

Vínculo e apego na infância

Por Roncalli Guimarães

Na sala de espera de um pronto-socorro pediátrico, aguardando atendimento com meu filho observei uma cena curiosa: uma mulher caminhando pela recepção tentando acalentar uma criança em seus braços, usava seu carinho protetor para tentar conter o choro ensurdecedor, que é o choro de uma criança aflita e assustada.

Enquanto isso, sentada na cadeira da recepção, uma outra mulher, elegante, bem vestida e demonstrando preocupação, mantinha um contato a distância com os dois. Para minha surpresa, a recepcionista chamou a criança e mãe para entrarem no consultório do pediatra e a mãe da criança era justamente a senhora elegante e bem vestida que estava sentada, não a que acalentava a criança em seus braços.

Essa cena ficou marcada na minha memória. Tempos depois ao tentar entender a teoria do apego evoquei a lembrança da recepção do hospital pediátrico.

John Bowlby, psicanalista britânico, pesquisou o apego entre mãe e filho e chegou a resultados surpreendentes. Seu trabalho tem sido continuado e ampliado por outros pesquisadores.

O apego da criança com seu principal cuidador nos primeiros 24 meses de vida e, que na maioria das vezes, é a mãe que promove essa interação saudável, pode ser definidora da futura personalidade do indivíduo. O apego infantil pode ser definido como uma força emotiva que liga a criança com seu cuidador, alguém de quem depende para sua sobrevivência.

MUITA GENTE já ouviu falar em crianças com certa idade  que “estranham” outras pessoas quando é colocada nos braços e por algum momento se ausentam das suas mães. Isso é reflexo do apego.

A criança se afasta da pessoa que traz segurança e foi exatamente esse comportamento infantil que Bowlby observou em suas pesquisas. E explicou a gênese da ansiedade que ele chamava ansiedade de separação, quando havia quebra dos vínculos mãe-filho.

Vivemos em uma sociedade “acelerada”, que cobra resultados e exige esforço para se manter competitivo e isso incluem mulheres, mães que têm que trabalhar, estudar e ainda assim ser mãe. Por força dessa sociedade opressora, nesse aspecto, “terceiriza” cuidados para poder dar conta de uma rotina exaustiva.

As pesquisas mostraram que ausência da pessoa protetora no início causava ansiedade e medo da perda. À medida que a ausência demorava, a criança ia substituindo a expectativa por frustração e revolta, devido a sensação de abandono.

Adiante, tendem a ser adultos com personalidades frágeis, ansiedade e delinquência. Até inteligência limítrofe foi observada em consequência do desapego.

O que foi descrito não quer dizer que é errado babas, avós e outras pessoas participarem da educação e construção de comportamento saudáveis. Na verdade, essa interação é necessária, porém a criança precisa reconhecer o cuidador que instintivamente ela escolhe para se sentir segura.

As crianças são monotrópicas, mas entendem muito bem afeto e é exatamente a qualidade desse afeto que importa no período crítico da formação do apego. Elas  são completamente receptivas ao carinho, principalmente quando choram por fome, dor ou por qualquer  outra sensação desagradável e sentem amparo – formando assim sua “base segura”.

Com essa base segura podem explorar o mundo cheio de novidades que as cercam, sem ansiedade, às vezes carregando um “paninho” ou ursinho que eles personificam como substitutos dos seus cuidadores na hora que buscam essa exploração do ambiente .

A mulher elegante, sentada na recepção do hospital pediátrico, que observava preocupadamente a babá acalentar seu filho, poderia ter tido no passado uma privação na fase da formação do apego. Tinha-lhe faltado uma base segura quando chorava por algo novo e assustador, e necessitava apenas de um colo quente e carinhoso para crescer um adulto seguro, capaz de transferir e corresponder às suas emoções diante do inesperado e desafiador futuro.

Roncalli Guimarães é psiquiatra

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Dr.Roncalli. Há quatro meses não vejo os meus netos menores. Os que, agora, completaram dois anos numa “festinha” de três pessoas, seus pais. Vovó só no celular.
    Dr.Bowlby definiu maravilhosamente o apego da criança com sua mãe e com aquela destinada a cuidar dela, na ausência materna. A pessoa destinada tem sido eu, com os meus quatro netos. Os pequeninos ainda dormiam em meus braços, antes da pandemia.
    Queria que Dr.Bowlby soubesse como essa separação me maltrata. Antes mesmo da pandemia, voltava sofrendo para casa, sentindo o calor deles em mim e, para me distrair, cantava as músicas de sempre, as que minha amada avó cantava para mim. Choro. Choro, sim. Dia desses Antônio perguntou à mãe: “cadê a minha vovozinha?” Solucei, embora tenha ao meu lado duas amadas criaturas de 9 e 12 anos, para as quais também cantei e embalei e amo apaixonadamente. Com esses, brinco e ensino. Mas quero todos à minha volta. Dr. Bowlby, se me ouvisse, diria: essa avó é carente. Não sou, Dr.Roncalli. Estou de bem com a vida. Sou, apenas, uma avó que pensa ser mãe de novo, por causa do amor.

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