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domingo - 09/02/2020 - 11:48h

A democracia na sarjeta

Por Paulo Linhares

A aparência de fragilidade é certamente a característica mais interessante da democracia. Parecer frágil, contudo, faz da democracia uma possibilidade vigorosa de realização dos desígnios da humanidade na perspectiva aristotélica do ser humano como “animal político” cuja existência se dá unicamente em ambiência social.

Em suma, viver na pólis é existir em sociedade e participar dos processos de gestão, construção e controle do mecanismo maior de organização social que é o Estado. Todavia, esta é apenas uma das concepções dos sistemas políticos estatais. Alguns destes excluem a participação, em níveis diversos dos segmentos da sociedade, deferindo a uma pessoa ou um restrito  grupo social as decisões sobre a condução do Estado.Neste caso, tem-se sistemas políticos autocráticos de gestão e controle do Estado, sobretudo, a tirania e a oligarquia. A perversão da democracia  é o populismo que, na classificação de Aristóteles, foi chamada de demagogia.

A conversão da democracia em populismo tem sido um fenômeno recorrente nestes tempos modernos, caracterizado na manipulação dos diversos segmentos sociais. O fascismo e seu irmão siamês, o nazismo, são exemplos do populismo de direita. No campo oposto, à esquerda, ele também se manifesta: o stalinismo e suas derivações assentidas em muitos países são igualmente expressões da condução autocrática de Estados e sociedades.

Em ambos os casos, contudo, os resultados, nos mais diversos níveis, foram drásticos em desfavor da humanidade, embora seja bem certo que uma democracia nem sempre garante que a vida do cidadão seja um paraíso terrestre:  numa visão bem singela, ela é sempre, segundo a banalíssima  Wilkipédia, “um regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente — diretamente ou através de representantes eleitos — na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder da governação através do sufrágio universal”. Melhor definição não pode haver para a proposta desta reflexão.

Assim, não parece ingênuo, nos dias atuais, indagar se é possível viver num Estado em que não haja democracia. Claro que sim, até porque a História mostra que a experiência humana da democracia é ínfima.

Melhor entendendo: a regra é que a humanidade tem vivido mais em autocracias do que em democracias, merecendo sempre considerar que os sistemas políticos, autocráticos ou democráticos, em cada momento histórico e latitudes diversas, têm peculiaridades que os tornam únicos e irrepetíveis: nos anos sessenta  do século XX, a ditadura argentina era diferente da boliviana, que diferia da brasileira que não foi tão abertamente sanguinária quanto à chilena e nenhuma delas foi tão aberrante quanto algumas ditaduras de países africanos, do mesmo período, como a do caricato Idi Amin Dada ou a do ‘imperador’ Bokassa.

Além de extermínio em massa de etnias rivais, foi constatado que Jean-Bédel Bokassa, posteriormente autointitulado Imperador Bokassa I  (adotou o nome de Salah Eddine Ahmed Bokassa), foi o segundo presidente da República Centro-Africana (01/01/1966 a 04/12/1976, quando se fez coroar imperador Centro-Africano, permanecendo até 20 de setembro de 1979.

Após sua deposição, fato estarrecedor chegou ao conhecimento da comunidade internacional: para seu consumo pessoal, Bokassa mantinha câmaras frigoríficas apinhadas de ‘cortes’ de carne humana, picanhas, maminhas e outras “coisitas” mais. Enfim, um escroto canibal que resgatou uma ‘cultura’ de seus ancestrais.

Hoje, cada Estado independente considerado democrático – a partir de indicadores cientificamente identificados – pode ser classificado e passar a compor um ranking determinado. Cada modelo de aferição obtém resultados que não se coadunam, necessariamente, com outros, por questões metodológicas.

Um das mais sérias instituições que medem e classificam a democracia em  muitos países do mundo é a V-dem, de origem sueca, sendo um dos mais importantes “observatórios”  da democracia no mundo. Em relatório recentemente publicado, que teve divulgação no prestigioso jornal espanhol El País, constatou que o Brasil vive “uma guinada à autocracia das mais rápidas e intensas do mundo nos últimos anos”, após a chegada de Jair Bolsonaro à presidência da República.

Noutras palavras, as novas diretrizes políticas que constam da agenda do presidente Bolsonaro, com “os esforços do presidente e seu Governo para calar os críticos, a exemplo do que “fez (Recep Tayyip) Erdogan quando levou a Turquia da democracia à ditadura, o que faz (Viktor) Orban na Hungria, que está prestes a deixar de ser uma democracia, e exatamente o que (Narendra) Modi faz na Índia”, conforme assertiva do diretor do V-dem, o professor Staffan I. Lindberg. Inequívoco que Bolsonaro se enquadra no modelo dos democraticidas que, atualmente, têm ascendido ao poder pelas urnas.

A propósito, lembre-se que o Partido Nacional Socialista alemão, participou de sete eleições, a partir dos anos 1920, até entronizar seu líder máximo Adolf Hitler como chanceler, em 1933, que, depois de uma série de manobras escusas e vários assassinatos, fechou o Parlamento, tornou proscritos todos os partidos políticos e empalmou o poder supremo na condição de “Fürher” da Alemanha.

Os horrores que se seguiram, são por demais conhecidos.

A potente ‘metralhadora giratória” do capitão-presidente Bolsonaro, manejada por ele mesmo ou por seus filhos e acólitos políticos, atingem a imprensa, personalidades, artistas e instituições republicanas como o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil, além de Estados estrangeiros amigos do Brasil.

Em todas as intervenções de Bolsonaro e seus seguidores afigura-se perceptível um profundo desapreço às instituições democráticas com as quais a sociedade brasileira tem vivido. Claro, têm imperfeições e insuficiências o modelo de democracia erigido na Constituição de 1988, mas, inequívoco que vêm garantido enorme e profícua estabilidade ao Estado brasileiro.

Ajustes são – e sempre serão necessários -, mas, desde que não possam desfigurar às conquistas democráticas, sociais e políticas plasmadas na Carta Política de 1988. Aliás, ao lado de certos eventos históricos, ela será sempre o ponto de partida para a consolidação dos interesses fundamentais  da sociedade brasileira.

Batam ou não as miseráveis panelas da classe média ensandecida e ignorante ou o ridículo pato amarelo que grasna no edifício da Fiesp, na Avenida Paulista. A democracia e os valores que ela imantam sempre serão algo por que lutar e manter. Acima de tudo e todas as coisas, pois, certamente aí estarão, verdadeiramente, qualquer ideia que se tenha de Deus e de amor a esta pátria que chamamos pelo singelo de Brasil.

Paulo Linhares é professor e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. João Claudio - Já é carnaval 'Olha a cabeleira do Zezé, será que ele éeee...!' diz:

    P X I – PTralha Xiita Inconformado.

    F F F – Fato Fato e Fato.

    L J E – Lula Já Era.

    A X P O – Axepôco.

  2. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Prof. Paulo Linhares enriquecendo nosso domingo com seus vastos conhecimentos.

  3. Roberto Mitre diz:

    Com todo respeito a o autor, mas, me diga mesmo quem propôs a regulamentação da mídia, ou seja, a censura a.imprensa, foi o Bolsonaro? Ou foi o PT, quando governo?
    As esquerdas, defendem muito a democracia no Brasil, isso também faz todos os democratas deste país. Mas, por outro lado, as esquerdas, são ferenhos defensores das mais sangrentas ditaduras no mundo. Ex: Cuba, governada pelos Castros , há mais de 60 anos, com mão de ferro, mas, sempre servindo de bom exemplo de governo pelas esquerdas brasileira.
    Como disse Cristovam Buarque, ex-senador, “ou as esquerdas deste país muda, ou nós não andamos pra frente” Né mesmo?

    • João Claudio - Já é carnaval 'Olha a cabeleira do Zezé, será que ele éeee...!' diz:

      O PT APOIA, APLAUDE e ADMIRA todos os sistemas ditatoriais do Planeta Terra. Fato, fato e fato.

      Qual o por quê de tanta preocupação com o fim da democracia brasileira, se Cuba é bom demais e a Venezuela e a Nicarágua são dois paraísos? Hein???

      Parem de conversar boooooosta. Se olhem no espelho para verem suas caras sem-vergonha, e aproveitem para olhar o tamanho de seus rabos antes de criticar o dos outros.

      Para surpresa de ninguém, A.G. de Andrade é mais um burro encantado de Lula que veio dar coices nos comentaristas do blog.

      Seja bem-vindo. O curral tá lotado, mas sempre cabe mais um.

      – Zuuuuurrooooooo….!

      – Calma! Tem bastante milho.

  4. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Os Burro Narianos, todos eles, ainda anestesiados pelas mensagens dos Watzhaps e Facebooks da vida que comportaram e tornaram flagrante o processo de fraude político/eleitoral que elegeu JAIR MESSIAS ASCO NARO O NEO-NAZIFASCISTA que atulemtne tenta de qulaquer modo dstruir o nosso Páis por MAR, TERRA E AR, bem como inebriados pela magistral e profunda leitura dos Twiter’s (CENTO E QUARENTA CARACTERES) da Cavalgadura Mor emandos do seu GURU TERRAPLANISTA, A CONHECIDA BESTA OLAVO DE CARVALHO, ainda tem o desplante e pachora de acintosamente vir destilar ódio, ignorânci e obstusidade ao desrespitar o professor Paulo Linhares acerca do seu emblemático, preciso e esclarecedor artigo.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  5. Carlos Andre Gomes de Araujo lima diz:

    Não entendo o pq do “doutô” dizer que a democracia está na sarjeta, será que foi pq o vencedor não foi o petista?

  6. João Claudio - Já é carnaval 'Piiiiiiii...! Ê ê ê ê , João Claudio quer apito, se não der pau vai comer.' diz:

    Kkkkkk O Encantador de Burros adora uma ditadura. A ficha dos burros que ele encantou é que ainda não caiu, e nem vai cair. Por quê?? Ora, os tapa olhos os impede de olhar para a direita e para a esquerda. A tropa é obrigada a olhar somente para o chão, e no máximo para enxergar a tecla CONFIRME (O SEU BANDIDO FAVORITO).

    Lembrando que o uso de tapa olhos é obrigatório. A ‘cangaia’, também.

    P.S – A ordem do chefe dos seguranças do Vaticano, é para que todos fiquem de olhos atentos durante a permanência dos membros da quadrilha em solo Papal.

    Além de detectores de metais, haverá revista em todas as cuecas dos integrantes do bando.

    Pois é, a prevenção ainda é o melhor remédio. E ainda mais quando se trata de uma quadrilha barra pesadíssima…todo cuidado é pouco. Né não?

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