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domingo - 13/08/2023 - 09:46h

A historiografia do cangaço

Por Marcos Pinto

Massilon, coronel Isaías Arruda do Ceará e Lampião fazem parte de um enredo ainda incompleto (Fotomontagem BCS)

Massilon, coronel Isaías Arruda do Ceará e Lampião fazem parte de um enredo ainda incompleto (Fotomontagem BCS)

Nunca é demais repetir: é densa e vastíssima a bibliografia historiográfica da temática cangaço, no que consiste ao ataque lampionesco a Mossoró. Mas, nunca houve aprofundamento sobre os autores intelectuais do malogrado ataque.

Os dois principais jornais de Mossoró abordaram o episódio com manchetes instigantes, porém sem referenciar que o assalto à cidade fora objeto de complô formado por Tilon Gurgel, seu genro Décio Holanda, desembargador Felipe Guerra casado com uma irmã de Tilon Gurgel, que se acumpliciou com Jerônimo Rosado, seu amigo íntimo e compadre (vide Livro “Jerônimo Rosado” de autoria do consagrado historiador Câmara Cascudo – páginas 24/25 – coleção mossoroense – série C -vol XVIII. Editora Pongetti – RJ – ano 1967).

À página 35, o renomado mestre Cascudo tira carta de seguro: “Todas as frases ‘históricas’ têm uma documentação negativa, desmentidos formais de pesquisadores. Mas o real é que não foram ditas, mas foram programas subsequentes de veracidade indiscutível”.

Após o ataque, os jornais “O nordeste” – edição de 26.06.1927 estampa manchete ridícula e inverídica: “Jararaca falecera em viagem para Natal”, quando toda a cidade já sabia, à boca miúda, que cangaceiro fora assassinado à meia noite, no cemitério, por componentes da Polícia Militar, como queima de arquivo.

Na manhã do mesmo dia em que foi eliminado, ele  recebera a visita de uma senhora, à qual pediu para dizer ao prefeito Rodolfo Fernandes que tinha assunto confidencial para tratar com o mesmo. A imprensa nunca citou o nome desta senhora e qual a razão da mesma não ter dado o recado ao prefeito.

O mesmo jornal “O nordeste” estampa em edição de 09.07.1927, a Manchete “Massilon no Brejo,” referência ao Brejo de Pedra das Abelhas (atual cidade e município de Felipe Guerra-RN), onde residia Tilon Gurgel, também amigo íntimo do farmacêutico Jerônimo Rosado.

Este prestigioso jornal estampou somente dois anos e dez meses depois do ataque (edição de 12.04.1930) a elucidativa Manchete: “Isaías Arruda perto de Mossoró no dia 13 de junho de 1927,” referência a influente coronel cearense, de estreita relação com o cangaço. Indaga-se: por que o dono do “Nordeste” omitiu o fato de que Isaías era hóspede de Jerônimo Rosado em seu sítio “Canto”?.

Ouvi esta assertiva reiteradas vezes feita pelo tabelião Romeu Rebouças, que não pedia ressalvas.

Não resta dúvidas de que os historiadores Câmara Cascudo, Raimundo Nonato da Silva e Raimundo Soares de Brito (Raibrito), eram visceralmente vinculados à elite política dominante no Estado.

Câmara Cascudo privou da amizade de todos os governadores do ano de 1920 à 1955. Raimundo Nonato cerrou fileiras com Dinarte Mariz, desde o golpe getulista de 03 de outubro de 1930, tendo sido nomeado juiz de direito da comarca do Apodi no ano de 1957 pelo amigo/governador Dinarte Mariz. Observe-se que o prestígio e amizade de R. Nonato com o Dinarte era imensurável, que o R. Nonato assumiu a comarca do Apodi e no mesmo dia uma plêiade de amigos de Mossoró foram para a solenidade de posse. Foi organizada grande festa, sendo certo que o R. Nonato já havia sido professor em Apodi na década de 40 (1940).

Uma semana após a sua posse, o celebrado historiador R. Nonato solicitou aposentadoria como juiz de Direito, valendo-se dos seus 36 anos de exercício como professor da rede estadual de ensino. Ao saber, da aposentadoria, o governador Dinarte esboçou um sorriso, dando a entender que o astuto e novel juiz de Direito lhe passara a perna.

Alguns historiadores/pesquisadores apropriam-se da história para torná-la oficial, elidindo ou ocultando o papel dos demais protagonistas que, no caso, são condenados ao esquecimento mediante a fragmentação de “fatos” e “verdades.” É um modelo que serve aos objetivos dos “protagonistas” oficiais.

Certas forças autênticas e criativas dos processos históricos são dissimulados por uma narrativa que acentua a ação da vontade de alguns sujeitos privilegiados.

Costumo enfatizar que o historiador escreve fundamentado em documentos oficiais irrefutáveis. Já o memorialista escreve o que quer, na maioria das vezes para agradar as elites dominantes, ocultando, deturpando, e dissimulando, atendendo assim às hostes políticas e partidárias as quais está visceralmente vinculado.

Inté.

Marcos Pinto é advogado e escritor

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Categoria(s): Artigo / Crônica

Comentários

  1. José Lima Dias Júnior diz:

    Prezado pesquisador Marcos Pinto, muito já se escreveu sobre o cangaço, enquanto banditismo social, forjado no interior do Nordeste. Para compreendermos o fenômeno do banditismo não basta, porém, nos referimos às causas econômicas, fruto do saque, da rapinagem e dos assaltos. É preciso, também, observar os aspectos políticos (sobretudo a construção dos poderes locais, alicerçado nos arranjos e conchavos entre as elites dominantes)e sociais da época. Quanto a invasão de Lampião e seu a cidade de Mossoró, há algo obscuro na execução do cangaceiro Jararaca. Sem romantizar a figura dos bandoleiros, o “justiçamento” do citado sicário pelas Forças Policiais se deu de modo muito estranho. Se a História é um campo de possibilidades, quem sabe um dia a verdade histórica (não) virá à tona. Parabéns pelo excelente artigo.

  2. Chagas Nascimento diz:

    Se Tilon Gurgel fez parte deste complô do ataque a Mossoró, como ele permitiu que seu irmão Coronel Antônio Gurgel comesse o pão que o diabo amassou na mão de Lampião? Olhe que foram duas semanas de suplício e apelação com envio de cartas para o genro, o mano e até para o marido da sobrinha, sem receber nenhum sinal de esperança.
    Muito estranho.

  3. Marcos Pinto. diz:

    Olá Chagas Nascimento. Muito oportuna e plausível sua indagação. Se você fizer a leitura acurada do “DIÀRIO DO CORONEL ANTONIO GURGEL”, publicado pela Coleção Mossoroense, vai observar com clareza que: Quando Lampião foi acoitado por Décio Holanda na fazenda Bálsamo, na serra do Pereiro, o Décio só ressaltou o nome do sogro Tilon Gurgel como um dos que deveriam ser preservados de ataque no trajeto para Mossoró. Ocorrre que DEUS nunca dorme, tendo o Antonio Gurgel, irmão do Tilon, que residia em Natal, resolvido ir ao então Brejo do Apodi, ocasião em que foi feito refém do bando de Lampião. Observe, conforme o próprio relato do Antonio Gurgel, só depois do ataque de Mossoró, quando o Antonio Gurgel se identificou para o Massilon observando que era irmão do Tilon Gurgel, que a partir daí, nas imediações das fazendas Veneza e Boa sorte, foi que o Lamíão passou a dar tratamento especial ao Antonio Gurgel,, inclusive tendo jogado partidas
    de baralho e devolvendo pessoalmente a pistola do Antonio Gurgel. Da leitura do dito “Diário” depreende-se que o Tilon empreendeu grande diligência para libertar o seu irmão, inclusive utilizando um automóvel para seguir até o Limoeiro do Norte, onde já aguardava o seu irmão Antonio, que após informes logo a seguir do ataque a Mossoró passou a ter regalias por parte de Lampião. O certo é que o Lampião libertou o Antonio Gurgel, e ainda lhe deu de presente um queijo e uma certa quantia em dinheiro, determinando ao Massilon que o guiasse e o entregasse pessoalmente ao irmão Tilon Gurgel, que já o esperava na fazenda do Sr, Otílio Diógenes, proximidades da Serra da Micaela, onde Lampião pernoitou. O medo de vazar o conluio do complô para trazer o Lampião para Mossoró foi tanto, que a imprensa mossoroense foi impedida
    de entrevistar o Antonio Gurgel ao chegar a Mossoró, por orientação expressa do então Desembargador Felipe Guerra, cunhado do Tilon Gurgel. Só um mês depois foi publicado o tal “Diário do Coronel Antonio Gurgel” no Jornal “A Notícia”, no Rio de Janeiro. Deus nunca falha. achou do bando de Lampião pegar exatamente um irmão do Tilon Gurgel, um dos principais articuladores do ataque de Lampião à Mossoró, juntamente com o Des. Felipe Guerra, acumpliciado com o virulento Jeronimo Rosado. Incrível né Chagas Nascimento ???. Fico no aguardo de mais indagações.

    • Guilherme diz:

      O seu relato aquilata Jerônimo Rosado como uma figura ainda mais determinante na história mossoroense. Até então apenas o tinha como o pai dos ilustres 21. Não tinha noção do seu poder de articulação. Enfim, da sua lavra, além dos profícuos filhos, netos e bisnetos, também é o ponto alto da história da cidade. Definitivamente, o mundo se divide entre os que fazem a História, como o Jeronimo, e os que contam estórias.

  4. Chagas Nascimento diz:

    Valeu Marcos Pinto. Conheço a história do diário do Coronel Antônio Gurgel, continuo não acreditando deste conluio com o farmacêutico Jerônimo Rosado. Nunca li sobre este lado virulento por parte do velho Rosado. Obrigado pela atenção em responder.

  5. Guilherme diz:

    Professor, não ficou claro qual o fato/fundamento/evidência histórica para que o senhor acusasse tanto Jeronimo Rosado quando Felipe Guerra de ter realizado um complô para acobertar Lampião. A sua narrativa mais parece as elaboradas pela dupla Moro/Dalagnol, construída a posteriori, à martelada, para justificar uma condenação que já nasceu antes da investigação. No seu caso, a investigação histórica.

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