• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 06/09/2009 - 11:41h

A quem interessar possa

Há duas categorias de pessoas que, sobretudo no Rio Grande do Norte, merecem um debruçamento maior, uma atenção mais atenta, um enfoque mais aproximado: o inteligente e o sabido.

O inteligente é como o grão. Se não morrer, será infecundo. A fecundidade do sabido é feita na cotidianidade dos seus sonhos.

O inteligente é aritmético. Consegue sobreviver. O sabido é geométrico. Quase sempre vive sobre.

O inteligente é polivalente na ordem do conhecimento. O sabido, na ordem do aproveitamento.

O inteligente é grosseiro às vezes, mas humano, profundamente humano. O sabido se irrita, mas é sempre fino. Fino e aderente. Sobretudo ao poder. E quando eu falo em Poder, não me refiro pura e simplesmente ao Sistema. Me refiro ao poder, podendo. Feito de números. Sobretudo de números.

O inteligente pode ser desligado. O sabido, nunca.

O inteligente gosta de se encontrar com velhos amigos. O sabido prefere localizar novos. Se vão lhe render dividendos.

O inteligente é simples. O sabido é complexo. Chegar a ele, às vezes não é fácil. O mundo é dos sabidos. A vida, dos inteligentes. Na sua intensidade.

A ambição do inteligente é limitada. Porque limitada, nem consegue ser ambição. O sabido é, sobretudo, ambicioso, explicação maior do seu sucesso. O inteligente poderá ser sábio. O sabido, jamais.

A fé do inteligente é escatológica. Do sabido, circunstancial.

O inteligente não consegue ser audaz. A ousadia, porém, é o oxigênio do sabido.

O inteligente aguarda a morte como passagem; para o sabido, ela não é objetivo de cogitações.

O inteligente gosta de bibliotecas; o sabido, de computadores.

O inteligente sonha com Paris, escreve maravilhosamente sobre Paris, mas suas notas são escritas em Tibau ou na Redinha.

O sabido dorme em Lisboa, acorda em Hong-Kong e janta em Ponta Negra.

O inteligente sorri. E no sorriso se esboça a silhueta da paz. O sabido ri. E ri gostosamente.

O inteligente tem saudades; o sabido, nostalgia.

O inteligente mergulha no silêncio. O sabido vira taciturno.

O inteligente fica só, para estar com os outros; o sabido, para libertar-se deles.

O inteligente cria; o sabido amplia.

O inteligente ilumina; o sabido ofusca.

O inteligente pensa em canteiros de flores; o sabido, em projetos de reflorestamento.

O antônimo de inteligente é burro, de sabido é besta; às vezes (quem sabe) viram sinônimos.

Ser, para o inteligente é fundamental. Parecer, para o sabido é prioritário. E como vivemos no mundo das aparências, nele o inteligente não terá vez. Desde que mude os seus critérios. Aí então, aflora a crise do desencanto. É quando a mediocridade se entroniza, o supérfluo se instala e a inteligência se rende. A não ser que o inteligente se chame Unamuno, reitor imortal. Por isso, ele foi magnífico. Do contrário não teria sido reitor, mas feitor. E de feitores o Brasil está cheio. Sabidos, por sinal.

Sabido é Diógenes da Cunha Lima. Inteligente é Jarbas Martins.

Cascudo é inteligente. Sabida é sua entourage.

Inteligentes são Zila Mamede e Otto Guerra. Inteligente é Waldson Pinheiro. Inteligente foi Miriam Coeli. Inteligente é Padre Ônio (de Cerro Corá) e Dom Heitor (de Caicó). Inteligente foi Dom Costa (de Mossoró). Inteligente foi o pastor José Fernandes Machado. Inteligente é Anchieta Fernandes. Inteligente é Vingt-un.

O inteligente compra livros. O sabido, ações.

Para o sabido, as letras que realmente valem são letras de câmbio. Inteligente é quem trabalha para viver razoavelmente. Sabido é quem consegue que outros trabalhem para que ele viva maravilhosamente. O inteligente sua. O sabido transpira.

O inteligente acorda cedo. Para ele, Deus ajuda a quem madruga. O sabido acorda tarde. Outros madrugam por ele.

Sem o inteligente, o que seria do sabido?

Inteligentes são Manoel Rodrigues de Melo e Raimundo Nonato.

Sabido é Paulo Macedo. Também "imortal".

Inteligente é Dorian Jorge Freire. Sabido é Canindé Queiróz.

Inteligentes são Eulício e Inácio Magalhães. Inteligente era Hélio Galvão.

Sabido é Valério Mesquita. Inteligentes eram José Bezerra Gomes e João Lins Caldas.

Inteligente foi Jorge Fernandes. Sabido, Sebastião.

Inteligente é Erasmo Carlos. Sabido é Roberto.

Inteligente foi Garrincha. Sua inteligência, porém, não foi além de suas pernas. Com elas, encantava. Sabido é Pelé. Transformou suas pernas em objeto de lucro. Não é a toa que a cidade de Garrincha se chama Pau Grande. E Pelé nasceu onde? Não foi em Três Corações? Ao mesmo tempo pode amar Xuxa, o Cosmos ou as audiências na Casa Branca.

Há um campo, porém, onde o número de sabidos é pródigo. Mas pelo menos hoje, eu não quero pensar nos inteligentes e sabidos quando se trata de competição eleitoral. Aqui, o sabido leva sempre vantagem.

Quem não se lembra de 74?

O inteligente não era Djalma? Sabido, porém, foi Agenor. E o povo do RN optou por quem? Pelo inteligente ou pelo sabido?

José Luiz da Silva, ex-padre, escritor (já falecido)

* Texto originalmente publicado no dia 14 de Agosto de 1983 no jornal "O Poti"   

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. Mário diz:

    Texto muito bom… Inteligente é Carlos Santos, sabido é Gustavo Rosado. (Fazendo uma leitura das coisas daqui).

  2. Victor Sanikson diz:

    Sábias palavras…sábias palavras

  3. Bruno Barreto diz:

    Me surpreendi com esse texto. Pensei que era inédito e tive um susto quando via a data. Mostra que de novo mesmo só os avanços tecnológicos pq as práticas são sempre as mesmas seja aqui no RN ou em qq parte do país…

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domingo - 14/09/2008 - 11:20h

A quem interessar possa…

Declaro que os médicos deveriam ter sempre aulas de histologia para nunca esquecerem de que os vasos sangüíneos são constituídos por apenas três ínfimas camadas (endotélio, muscular e adventícia) e qualquer rompimento de uma delas pode ocasionar a morte do indivíduo. Portanto, é inútil correr atrás do poder apenas pelo poder.

Declaro que a ética médica deve estar sempre acima de qualquer interesse pessoal. E que as instituições médicas nunca deveriam servir de trampolins para projetos de ambiciosos. Portanto, é vergonhoso correr atrás do poder, apenas pelo poder.

Declaro que Xerxes, imperador Persa, chorou ao ter consciência de que um dia ele iria morrer. Aliás, para quem não sabe, estamos todos ‘condenados’ a esse mesmo destino, até mesmo os médicos.

Portanto, é inútil correr atrás do poder ou querer se manter no poder, apenas pelo poder.

Declaro que é abominável colocar o nome de toda uma classe médica num mar de lamas, apenas para ter ou se manter no poder. E que a roupa branca – que serve para identificar, mais facilmente, qualquer sujeira do corpo – deveria ser vestimenta interna obrigatória dos médicos, para identificar às sujeiras da alma, como a ambição desenfreada, a vaidade, o egoísmo, o ódio, a mentira, a farsa, etc, etc..

Portanto, é abominável correr atrás do poder ou querer se manter no poder, apenas pelo poder.

Declaro que os budistas erraram ao ensinar que tudo passa. Afinal, existe uma coisa que nunca se altera como lembrava Aristófanes ao dizer que "a juventude envelhece, a imaturidade é superada, a ignorância pode ser educada e a estupidez dura para sempre…”.

Portanto, é inútil (e estúpido também) correr atrás do poder ou querer se manter no poder, apenas pelo poder.

Declaro que o filósofo Epicteto tinha razão ao comparar a vida como um banquete em que deveríamos nos comportar com elegância: “Quando as travessas forem passadas para você, estenda a mão e sirva-se de quantidades moderadas. Se uma travessa não lhe foi passada, saboreie o que já está no seu prato. Ou, se a travessa ainda não lhe foi passada, espere pacientemente a sua vez”.

Portanto, é deselegante correr atrás do poder ou querer se manter no poder, apenas pelo poder.

Declaro que é grotesco, bizarro, cafona e fajuto tentar agredir a inteligência das pessoas, utilizando-se para isso de máscaras, listas, o jogo do disse-me-disse, jornais, imprensa falada, blogs, justiça etc, etc… Portanto, é ridículo correr atrás do poder ou querer se manter no poder, apenas pelo poder.

Declaro que a lei de Coulomb tem razão ao afirmar que somente cargas iguais se repelem. E às vezes essas cargas são tão iguais (“pelo fruto se conhece a árvore”), que não conseguimos encontrar nenhuma diferença entre elas. Por isso, elas estão tecnicamente empatadas.

Portanto, é ridículo tentar esconder a nossa natureza interior quando estamos correndo atrás do poder ou querendo nos manter no poder, apenas pelo poder.

Declaro, por fim, que o Eclesiastes tem razão ao lembrar que tudo é vaidade. E o vaidoso é antes de tudo um cego, pois deveria perceber que somente uma coisa vale a pena correr atrás: o amor. Não amor ao poder pelo poder, mas sim, amor ao próximo (nossos familiares e amigos: nossas verdadeiras riquezas) e a nós mesmos.

Portanto, é um cego aquele que corre atrás do poder ou quer se manter no poder, apenas pelo poder.

Francisco Edilson Leite Pinto Junior é Professor, médico e escritor

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Categoria(s): Fred Mercury

Comentários

  1. Monique diz:

    Só para te elogiar…achei ótimo texto.abraço.

  2. Anônimo diz:

    Declaro que sou leitor e admirador deste grande mossoroense: Edilson Pinto Junior…
    Abraços
    David Leite

  3. Clauder Arcanjo diz:

    Edilson Pinto é mestre na arte da crônica voltada para os compromissos éticos. Deveria ser leitura obrigatória para todos os profissionais.
    Abraços,
    Clauder Arcanjo.

  4. Francisco Rodrigues da Costa diz:

    Dr. Edilson Pinto:
    Inteligente, bonito e oportuno seu texto. No início dos anos 50 Carmen Costa interpretou uma canção, “Quase”, cujo autor não recordo. Mas a letra dizia de cara: “quae que eu disse agora/ o seu nome sem querer”. Você quase que dizia a razão de tanta ambição pelo poder para nele permanecer. Se dessem um fim nesse “polissílabo”, essa ganância, tenha certeza, seria varrida da mente do brasileiro.

  5. JESSÉ DE ANDRADE ALEXANDRIA diz:

    A um tempo lírico e político. Muito bom texto. Imperdível também a Caros Amigos de setembro, nº 138, que traz uma reportagem especial sobre a abertura dos arquivos da ditadura. A tortura é um crime contra a humanidade. Norberto Bobbio tem razão ao afirmar que o direito de não ser torturado, assim como o de não ser escravizado, é um direito absoluto. Acredito nisso. Saudações ao jornalista, pela escolha da primorosa crônica.

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