• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 10/02/2008 - 01:07h

A visita do velho senhor

Há algum tempo recebi a inesperada visita de um elegante senhor de 93 anos que veio deixar-me exemplares de seu livro “Coisa Julgada e Cartas de Amigos” [Editora Queima-Bucha, Mossoró, 2006], para enriquecimento das bibliotecas comunitárias que fundei ou ajudo a manter em alguns municípios do Rio Grande do Norte. Seu nome, Francisco Meneleu dos Santos, um dos outros nomes da elegância e da distinção. 

Apoiava-se, o meu visitante, numa elegante bengala de castão de ouro, por sua raridade, um objeto de colecionador. Gráfico aposentado e anistiado político, chegou na companhia de Misherlany Gouthier, organizador do seu livro, aliás, muito bem editado, ressalte-se. Conversamos durante um bom quarto de hora sem desconfiarmos que essa seria sua última visita a Mossoró, terra a que se ligava por um sentimento profundo.

Em meio à paz do Boa Vista, bairro que me recebeu de braços abertos, Meneleu discorreu com bom humor e desenvoltura sobre a história política do Rio Grande do Norte, evocou com simpatia velhas figuras de Mossoró que lhe ficaram gravadas na memória alerta e hospitaleira. Surpreendeu-se com o fato de termos alguns amigos em comum, como a grande memorialista Zenaide Almeida Costa, entre outros, e concordou em conceder-me depoimento para o livro que estou escrevendo sobre a cidade de sua juventude laboriosa.

Bem vestido, os sapatos engraxados com esmero, fazia-se acompanhar por seu motorista, que permaneceu calado e atento, ao seu lado, enquanto saboreávamos reminiscências e cafezinhos, num fim de tarde, em minha casa, sob a vigilância de Daiane, com quem, parece-me, simpatizou, pois em um dado momento pousou sua mão comprida e bem cuidada sobre a seda do seu pelo, fazendo-a ronronar de satisfação – logo ela que se mostra sempre tão inamistosa ou desconfiada com desconhecidos.

Sua confiante recepção logo me fez ver que o meu visitante era um cavalheiro de boa índole. Não me pareceu em nenhum momento esfalfado pela velhice, mas jovial e em boas relações com a vida. Não se mostrou mesquinho nem ranzinza, como habitualmente se mostram os velhos que odeiam nos outros a mocidade e as benesses que proporciona.

Sua morte inesperada, pelo menos para mim que lhe gabei a boa disposição, empobrece o gênero humano, especialmente porque homens como Meneleu – dói-me admiti-lo! – são cada vez mais raros. Tão mais raros do que cisnes negros.

A raridade que os faz, no entanto, tão especiais e dignos da nossa memória.

Franklin Jorge é escritor e jornalista – franklinjorge@yahoo.com.br

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. Francisco Obery Rodrigues diz:

    Lendo agora a crônica de Franklin Jorge sobre seu encontro com Francisco Meneleu do Santos, em sua última visita a Mossoró, já aos 93 anos, e tomei de sua morte recente. Conheci Meneleu, gráfico em Mossoró. Depois, foi para o Rio, onde o encontrei, em 1968, sentado na calçada de um bar, na Av.Barão do Rio Branco, tomando, com amigos, uma cervejinha. Foi grande a nossa surpresa e recíproca a alegria. Perguntou por tudo em Mossoró. Mas, como eu estava a caminho de um edifiício do BB, onde frequentava um curso, não pude demorar-me. Entretanto, como ela aquele era o meu caminho, e ele, aposentado, frequentemente estava ali, ficamos certos de rever-nos outras vezes, o que, infelizmente, não acontecei.
    Agora, soube que faleceu. Mas um amigo que desaparece.
    De alguns meses para cá, tenho perdido vários amigos. Só no Rio, foram-se Guttenberg Fernandes, José Ferreira da Silva, colega do BB (este há uns três anos, já), Nilo Soares e, há poucos meses, Renato ~Rebouças. Com todos eles me correspondia e conversava pelo telefone. Em Brasilia, evolaram-se as almas de Jader Leite e Antônio Moésio Bezerra. Em Mossoró, foi-se a maioria dos meus queridos amigos; restam pouquissimos. Assim, aos 83 anos, estou ficando cada vez mais pobres de velhos companheiros dos bons tempos de convivência durante os quase cinquenta anos em que morei em Mossoró, que, há quase um ano, não tenho podido rever. Muito boa a crônica de Franklin Jorge, assim como igualmente boa o de David Leite sobre o seu comparecimento a uma solenidade na Catedral de São Pedro.
    Carlos Santos: Leio sempre com prazer todo o conteúdo do seu blog e agradeço a distinção de sua remessa. Cordialmente.Obery Rodrigues

  2. maria das virgens mascarenhas dos santos (dayse) diz:

    Muito obrigada por palavras tão cordiais em memória do nosso querido pai, Francisco Meneleu dos Santos.Desde rapaizinho sempre uma pessoa responsavel, lutadora, artista , trabalhador e vivedor e muitas outras coisas , amava muito a nossa mãe e a todos seus 12 filhos , 31 netos e quando faleceu 7 bisnetos , (que agora são 10). Muito obrigada mesmo!Como primeira filha dele , eu tambem fiquei na cadeia com ele , nenen de poucos meses de nascida e os presos ficava balançando a minha rede para que meu pai pudesse fazer o trabalho artesanal dele e assim nos dar o sustento , a mim e minha mãe, rsss

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