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domingo - 27/12/2015 - 08:25h

As portas do amanhã

Por Gaudêncio Torquato

A maneira como os atores políticos jogam suas cartas no tabuleiro define o estilo de governar, podendo empurrar o País para a frente ou para trás. No caso brasileiro, o estilo é de ataque recíproco, que caracteriza o jogo de soma zero. É o que estamos assistindo. De um lado, as forças oposicionistas procuram jogar sobre o governo Dilma os desacertos da economia e as perdas sociais. De outro, as forças situacionistas, mesmo dispersas e diminuídas, tentam segurar a presidente na cadeira do Planalto. A briga de foice no escuro correrá até os idos de outubro de 2018.

“A adoção do Orçamento impositivo, pelo qual os recursos alocados pelo Parlamento serão usados nos fins destinados, sem manobras do Executivo, será uma das formas de equilíbrio de forças”.

Os contendores, em intenso conflito, procuram assumir o controle das ações de forma a ganhar os torneios (decisões do STF, julgamentos no TCU, votações parlamentares, escapadas da Operação Lava Jato) a qualquer custo. Há, porém, um modo diferente e oposto de fazer política: é a ação plural e proativa, voltada para a criação de recursos. Nesse caso, os participantes se esforçariam para melhorar os vetores da administração, buscando benefícios oriundos da educação, da cultura ou da pesquisa técnico-científica nos mais variados campos. Os países que avançam mais rapidamente são os que optam por esse modelo.

A história da ciência do planejamento registra dois exemplos clássicos para denotar visões opostas: o caso de Hitler, na 2a Guerra, típico da disputa por tirar recursos de outros para redistribuí-los (jogo de soma zero), e o do Japão pós-guerra, caso notável de estilo superior de criação de recursos e oportunidades.

Não é o caso do Brasil, onde a integração de forças suprapartidárias para superar a crise se torna a cada dia mais difícil, para não dizer impossível. Infelizmente, entre nós, o que se vê é uma feroz queda de braço, um jogo de perde-ganha. E pelas escaramuças a que já começamos a assistir, ultimamente, o jogo de soma zero deverá ganhar status oficial no tabuleiro eleitoral de 2016 e 2018.

Para escapar dessa perspectiva, impõe-se aos contendores o dever de avaliar os altos interesses da Nação, e não se deixar levar pelas baixas correntes que deságuam no oceano da mediocridade. O Brasil carece sair do ramerrão inócuo. Mas essa saída, pelo que se infere, só será possível após a tormenta da Operação Lava Jato e quando a economia der sinais de que está melhorando a vida das pessoas.

Depois disso, o que pode ser feito? Primeiro, substituir a guerra entre forças de oposição e situação por uma ação plena e rica de propósitos comuns. Há de se considerar que o país precisa fechar o ciclo da redemocratização iniciado em 1984 e abrir uma nova era.

A bandeira desse novo marco poderia ser este: democratizar a democracia, dar vazão ao esforço, que algumas nações já vêm empreendendo, para expandir a participação social no processo decisório, por meio de núcleos e entidades, visando a aumentar a inclusão social, melhorar as condições do trabalho, qualificar as políticas públicas, proteger o meio ambiente e os direitos humanos e evitar as pandemias (a cada temporada de verão, o país padece de uma epidemia, bastando ver a onda de microcefalia que se espraia).

A estratégia tem como lume o incremento da democracia participativa. Nessa esteira, emerge outro eixo, a busca de um projeto amplo para o País, consoante com o nosso estágio civilizatório. Programas dispersos, canhestros, para atender a conveniências eleitoreiras, serão substituídos por planos essenciais, integradores de necessidades geográficas, sociais e econômicas. No lugar de obras grandiosas ou projetos com viés de marketing – PACs, Bolsas Famílias, Minhas Casas, Minhas Vidas -, é necessário aperfeiçoar a estrutura de amparo social, melhorar o que existe.

Outra vertente deve contemplar a via partidária, fonte permanente de mazelas. Os dutos das 33  legendas estão entupidos. Os costumes, viciados. As práticas, carcomidas. Na esfera política, sofremos de uma dupla patologia: o aumento dramático da desmotivação e do abstencionismo e a sensação generalizada de que os cidadãos são cada vez menos representados. Daí a baixa credibilidade dos políticos. Urge revitalizar os partidos, dando-lhes substância. O Brasil pós-Lava Jato não suporta continuar com a prostituição partidária.

Outra frente está na relação entre os Poderes. Veja-se o Judiciário, por exemplo. Está determinando o modus operandi da política. O mesmo se pode dizer do Executivo, que alicia, com verbas e favores, apoios políticos. Não é possível mais convivermos com a invasão de um poder sobre o terreno de outro.

Os vácuos precisam ser preenchidos. A área infraconstitucional está esburacada, ocasionando intervenções do Poder Judiciário (que não apenas interpreta os vazios constitucionais, mas fabrica ritos). A judicialização da política há de merecer um basta. Os ditames da harmonia e independência dos Poderes carecem sair do papel. Quanto ao presidencialismo, urge também atenuar seus super-poderes. A adoção do Orçamento impositivo, pelo qual os recursos alocados pelo Parlamento serão usados nos fins destinados, sem manobras do Executivo, será uma das formas de equilíbrio de forças.

Por fim, a composição das altas Cortes está a exigir nova abordagem.  A nomeação de ministros para o STF, por exemplo, poderia imitar a liturgia da escolha em listas tríplices ou sêxtuplas organizadas por entidades. O fato é que nenhuma dúvida deve pairar sobre os atos da Corte Suprema. Sem a arrumação dos eixos institucionais, o País abrirá as portas do futuro com as chaves do passado. E ficaria patinando no mesmo lugar.

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

* Publicado no Tribuna do Norte.

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Categoria(s): Artigo

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