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domingo - 21/09/2014 - 18:49h

As redes sociais e as eleições

Por Gaudêncio Torquato

Três em cinco eleitores brasileiros estão nas redes sociais, algo em torno de 84 milhões de votantes. O dado é expressivo. Indica que a campanha eleitoral entrou bem nos corredores eletrônicos.

De julho até dias atrás, o Facebook registrou 58 milhões de mensagens relacionadas às eleições, propiciando curtidas, compartilhamentos, comentários a favor e contra.

O monitoramento tem sido acompanhado pela cientista política norte-americana Katie Harbath, estudiosa do uso das redes em campanhas políticas, em passagem pelo país.

A situação merece destaque pela introdução das ferramentas da era tecnotrônica em nossa seara política, até então afeita a rudes costumes e velhas práticas, particularmente na metodologia de cooptação eleitoral.

Do centro aos confins do território, que ainda dão guarida ao balcão de recompensas para se obter o voto, a chave eletrônica começa a abrir a cabeça de um eleitor cada vez mais antenado nas maravilhas do aparato ao seu redor, a começar do celular.

A par da planilha de grandes números, como 9 milhões de interações com conteúdo relativo aos últimos dois debates entre presidenciáveis, convém destacar os significados que esse novo ciclo expressa na vida das Nações, como explica Zbigniew Brzezinski, ex-conselheiro de segurança nacional dos EUA e mentor de planos da CIA, no livro “A Era Tecnotrônica”, cujas características comportam a escalada das classes médias, a expansão do setor terciário, o gigantismo dos núcleos universitários, as indústrias de ponta, o incentivo às modernas tecnologias e os trabalhadores bem formados e informados, entre outras.

A importância da absorção do ferramental tecnológico pela política, em estágio avançado por aqui – eis que o Brasil está entre os cinco principais consumidores mundiais das redes – reside no fato de que este aparato eletrônico funciona como extensão da liberdade de expressão, um pulmão a oxigenar os fluxos institucionais, ampliando os circuitos da participação social, propiciando o deslocamento do discurso eleitoral para a esfera dos participantes.

Sob esse aspecto, ajuda a reforçar a expressão individual, valor central da democracia, e a dar vazão às demandas dos novos polos de poder que se formam na sociedade, no caso, as entidades de intermediação que se formam na esteira do declínio dos mecanismos tradicionais da política (parlamentos, representantes, etc).

A crise da democracia representativa, cujos sinais aparecem até no estrambótico desfile de pedintes de votos nos programas eleitorais, acaba promovendo a descrença social.

Uma locução de indignação emerge. As manifestações das ruas traduzem esse espírito.

As redes sociais, nesse vácuo, constituem o ancoradouro natural para acolher o clamor geral, as pontuações de um eleitor que se acha mal representado, a insatisfação do pagador de impostos que cobra pelos serviços que o Estado lhe deve. Descobre ele que, pela via eletrônica, sua voz pode chegar aos ouvidos de milhares de outros.

Ancorado no valor da pertinência social, exige o que é seu, defende pontos de vista, manifesta opinião sobre fatos, atos, e, nesse momento, sobre os candidatos, com direito de ser até malcriado.

Mais um dado citado pela pesquisadora Harbath explica o estrondoso sucesso da rede no Brasil: registra-se uma média de 1 bilhão de visualizações diárias, 65% das quais por internet móvel.

Não é de admirar que as redes se transformem em correias de transmissão do clima social.

A linguagem é a das ruas, inclusive no palavrório desbocado, nas interpretações maldosas de situações, na defesa, xingamentos e acusações a candidatos, o que deixa transparecer exércitos de um lado e de outro, a puxarem (sob soldo?) o cabo de guerra de candidaturas.

NESTA fase de experimentação, exacerbam-se os ânimos e o verbo resvala pelo terreno da calúnia e difamação, a demonstrar que se há certo descontrole nos meios tradicionais – como programas eleitorais no rádio e na TV – imagine-se a falta de controle nas novas mídias, mesmo sabendo que há mais de 100 solicitações exigindo a remoção de conteúdos nas redes.

As trombadas, pois, fazem parte deste iniciante capítulo que se desenvolve nas diferentes teias sociais e mídias, particularmente pelos jovens que registram elevado índice (85% deles) de consumo da internet.

É evidente que a maior parcela dessa participação se dá na vertente da distração e do entretenimento e não na vereda da política. Mas não é desprezível o contingente de usuários que sobem à tribuna eleitoral para acusar, defender, fazer campanha aberta por seus candidatos.

Se a lenga-lenga nas redes não chega a alterar os mapas eleitorais – são poucos os que mudam de posição – pelo menos consegue salpicar o desértico jardim político com respingos de querelas entre grupos.

O ensaio de politização nas redes é um bom sinal, a indicar que a política está mexendo com o ânimo social.

Já os candidatos precisam aprender a usar melhor os canais tecnológicos. Em vez de autoglorificação, deveriam se propor a interagir com os eleitores e a debater ideias com adversários.

É possível supor que na próxima campanha, o confronto entre candidatos seja intenso, mais frequente e direto. Um benefício que a eletrônica oferecerá à democracia, como se constata nos Estados Unidos.

Qualquer movimento na direção da meta de amplificar a locução social merece reconhecimento.

Urge, como diz a expressão, “democratizar a democracia”, ou seja, fazer um esforço para aperfeiçoar os mecanismos de participação social no processo decisório; propiciar o encontro da democracia representativa com a democracia participativa; revigorar os instrumentos por esta usados ( plebiscito, referendo, projeto de iniciativa popular); fortalecer os novos núcleos de poder( entidades de intermediação social); e incentivar novas modalidades de comunicação.

A engrenagem democrática, aqui e alhures, é um permanente exercício de retoque em suas ferramentas e peças.

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Carlos Andre diz:

    Carlos Santos podemos dizer que o modo antigo de fazer campanha e suas “peculiaridades” morreram?

    • Carlos Santos diz:

      NOTA DO BLOG – De modo algum. E a discussão sobre as novas mídias, o papel da cibernética e outros aspectos está apenas começando. É um admirável mundo novo, que ainda estamos começando a conhecer. É um debate enriquecedor

  2. João Claudio diz:

    Por mais que a tecnologia avance, as carreatas com os políticos no alto dos seus andores Papal, vão continuar. Especialmente no Nordeste, mais precisamente no RN.

    Faz parte da cultura ridícula de um povo. Pobre povo. Povo pobre de sabedoria.

  3. LINDEMBERG GOMES diz:

    Podemos AFIRMAR com TODA CERTEZA que, esse FENÔMENO das MÍDIAS na COMUNICAÇÃO GLOBAL em FORMA DE REDES SOCIAIS, vai fazer UMA GRANDE DIFERENÇA, no RESULTADO FINAL de uma ELEIÇÃO. E, creio já está FAZENDO no PRESENTE MOMENTO. INFORMAÇÕES DESCONHECIDAS (FATOS CONCRETOS, ATITUDES e COMPORTAMENTOS), CONHECIDOS para UNS, em FRAÇÕES de MILIONÉSIMOS de SEGUNDOS possam PASSAR para MILHARES de OUTRAS que não as CONHECIAM. Isso faz com que a MENTIRA, o ERRO, o ENGANO, a FALTA DE HONESTIDADE, a FALTA DE CARÁTER ou a TRANSPARÊNCIA seja IMEDIATAMENTE do CONHECIMENTO de TODOS.

  4. LINDEMBERG GOMES diz:

    Isso muda e muda muito, porque há três ou quatro décadas atrás o CONHECIMENTO dos FATOS não OCORRIAM com a VELOCIDADE que OCORREM hoje. Então, tudo era mais fácil, para se manter o CURRAL ELEITORAL à sombra da mentira, do engodo, da fraude e da corrupção. Hoje, é diferente. Você, caro Jornalista vai ver, ou melhor, já está vendo, como isso interfere no resultado final.

  5. AVELINO diz:

    Realmente mudou-se muito desde a proibição, em comícios, dos “shows dos trios elétricos da Bahia”, contratados a peso de ouro só pra definir uma eleição, pois quanto maior o trio, mais a certeza de vitória… Mas, ainda continua a esculhambação trocada no programa eleitoral gratuito! Não se usa o que foi combinado com o TSE para expor as suas novas ideias (quando raramente as têm), “novas promessas” e as mágicas soluções para os nossos graves problemas que eles mesmo criaram por serem os mesmos candidatos há mais de 40 anos, e sim para desnudarem-se uns aos outros os seus podres ilícitos, de todos os lados, numa clara explicitude que “nenhum deles presta”, todos eles têm máculas horrendas amealhadas no decorrer das suas vidas públicas enriquecidas durante os seus mandatos…

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