• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
terça-feira - 02/11/2010 - 14:39h

Assim tem sido, para dizer que “te amo”


Menino ainda, entre a peraltices e um jeito ensimesmado de ser, conheci a dor. Vi a morte assim, de pertinho. Toquei-a. Senti-a.

Tudo ficou vazio. Fez um vácuo.

Dona Mariinha, quase pele e osso, estava ali em minha frente.

"Morreu!" A palavra e a imagem, juntas, com a força de uma comunhão perfeita entre fato e verbo, tiravam o fôlego, inundavam meus olhos.

O menino mirrado, de olhar vivo – às vezes melancólico -, cabelo escuro e escorrido, passaria a entender parte do grande mistério da vida: o morrer.

O corpo inerte na sala de casa, socado num caixão, seria a despedida. Ambiente soturno e sufocante. Gente que entra e sai. Rostos encrespados.

O choro aumentava a agonia nas entranhas de cada cômodo. A morte batera à nossa porta. Eu me sentia sepultado vivo.

O pulmão asmático, que durante anos não conseguia sanfonar o oxigênio, a contento, finalmente se rendera. O coração perdia sua última batalha.

Mas nem por isso a morte fazia sentido para mim.

– Por que ela tinha que ir?

Sentado num canto de parede, comprimindo as pernas dobradas e entrelaçando-as com os braços, parecia disposto a reter a dor com minha parca força muscular. Joelhos banhados em lágrimas, cabeça inclinada sobre eles, eu queria entender:

– Por que ela tinha que ir?

Meu porto seguro e suprema proteção em todos os excessos, como garoto, partia pro "descanso", afirmavam uns circunstantes. E eu? Como seriam meus dias e anos dali pra frente?

Ficou não apenas a perda da "vó", chamada de "mãe". Ficou a frase nunca dita, nem repetida. Faltou minha redenção: "Eu te amo!"

Uma foto amarelada e desfocada, contida num antigo documento de identidade, foi a herança que me coube de seu espólio. O bem que virou amuleto, companhia diária escondida em minha carteira de cédulas.

Mais do que isso ficou a lição: jurei nunca mais deixar que ninguém que eu amasse, de verdade, partisse sem ouvir a frase nunca dita nem repetida: "Eu te amo!"

Meu medo sempre foi não dizer "te amo", a meus velhos, olhando em seus olhos. A maturidade e o tempo me deram oportunidade para repetir e acrescentar: "Obrigado!"

Minhas perdas são presenças diárias. Não saem de mim. Meu sacrário é a memória; os sentidos os têm por perto e as lembranças não os tiram de mim…

Assim tem sido. Que assim seja.

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. Graça Sabino diz:

    Simplesmente… lindo.

  2. Neísa diz:

    Coisa mais linda de se ler…

  3. itamar de sousa diz:

    …BENÇA MAÊ….DEUS T ABENÇOE MEU FILHO,MÁS ESSA JÁ E A TERCEIRA VEZ QUE VC ME PEDE A BENÇAO MEU FILHO,E EU SORRINDO DIZIA EU GOSTO MAE ,QUANDO A SENHORA ME ABENÇOA,ISSO REPETIA~SE TODAS AS VEZES QUANDO EU IA NA SUA CASA ,OU ELA VINHA NA MINHA.
    QUANDO ADOECI,FK 6 ANOS DE CAMA POR CONTA DE UM ERRO MEDICO,ELA ERA QUEM ME VISITAVA,88 ANOS,LÚCIDA,COSTURAVA A PROPIA ROUPA,ENFIAVA A LINHA NA AGULHA SEM PRECISAR DE OCULOS,QUANDO CHEGAVA LÁ EM CASA NO VINGT ROSADO ,PERGUNTAVA LOGO POR GIVANILDO SILVA,MEU VIZINHO,COMENTAVA AS COISAS QUE OUVIA NO RADIO.
    HOJE EU SINTO A SUA FALTA,SEU CHEIRINHO DE TALCO,SEU CARINHO,COMO ERA BOM QUANDO EU A ENCONTRAVA; ABENÇA MAÊ……….

  4. Walter souza Pinto diz:

    Maravilhoso ! ! !

  5. Izaurinha diz:

    bravo!! bravo!!! sua sensibilidade torna seus dias feitos de flores… como cheiro de mãe!

  6. aurinete diz:

    Simplesmente lindo… mas infelismente existe muitas pessoas que só veem e sentem quando essas palavras ja naõ mais podem ser ouvidas. Hoje há uma falta de reconhecimento, de carinho, de atenção, de respeito,de sensibilidade de muitos filhos e netos. Trocam os seus por pessoas as vezes que nem merecem e os pais,e os avós, passam a ser tratados como algo descartavél.

  7. Teresa Cristina diz:

    Espetacular!!! Bença Mãe… Que vontade que deu de poder ouvir pelo menos mais uma vez a sua resposta.
    – Por que ela tinha que ir? Nas horas de medo, dúvida, angústia e solidão, sempre essa pergunta.
    Parabéns aos autores pela sensibilidade, excelente mesmo!

  8. antonio pedro da costa diz:

    São vinte e uma horas e catorze minutos. 02 de novembro de 2010. Acabo de ler sua crônica. Sinto um nó na garganta. Choro por ter mãe e ter medo de perdê-la. Choro, por aqueles como você, que não pôde ter o colo maternal ainda criança. . Antes de dormir vou rezar ao Deus que confio para que eu possa pedir a bênção da minha mãe ainda por muitos anos.
    Um grande abraço

  9. Mary Costa diz:

    Me emocionei…muito belo.

  10. Frank Dantas diz:

    Bonito isso amigo,

  11. Sebastião Almeida de Medeiros diz:

    Como é bom lê coisas que ajudam a melhorar o nosso coração.

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