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domingo - 30/07/2017 - 07:08h

Brasília paranoica

Por Paulo Linhares

Por muitos anos a metrópole planejadas por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, Brasília, não passou de um esboço de grandes espaços vazios salteados com angulosas e curvilíneas estruturas de concreto armado – palácios, igrejas, aqueles prediozinhos enfileirados que parecem pedras do dominó que sediam ministérios, o conjunto arquitetônico que abrigam as duas casas do Congresso Nacional caracterizado pelas famosas meias esferas invertidas (ou pratos de sopa, como querem outros) e contrastadas por um duplo espigão.

Nos albores da nova capital, a visão fantasmagórica e desoladora de suas estruturas arquitetônicas  e urbanísticas causaram forte e negativa impressão num casal de visitantes ilustres, o filósofo Jean-Paul Sartre e a escritora Simone de Beauvoir, a tirar pelo que esta escreveu: “Guardo a impressão de ter visto nascer um monstro, cujo coração e pulmão funcionam artificialmente, graças a processos de um custo mirabolante.”

Por seu turno, Sartre igualmente ficou horrorizado como uma “suculenta” feijoada que lhe serviram num convescote no Rio de Janeiro, em 1960, no apartamento do jornalista José Guilherme Mendes, quando fez o famoso ‘elogio’ à culinária tupiniquim: “Mais… C’est la merde!” Nem precisa tradução.

Detestou a feijoada e Brasília. Embora não tenha dito expressamente, ficou patente  que nunca mais viria a Brasília e ao Brasil.

Durante os vinte e um anos de governos militares as ideias  urbanísticas  e arquitetônicas dos criadores de Brasília  foram preservadas, a despeito de alguns arranca-rabos entre o notório comunista Niemeyer e os novos donos do poder que, de princípio, pensaram em dispensar os serviços do arquiteto tornado celebridade internacional de cuja prancheta sairiam sofisticados projetos que encantaram a Europa e os Estados Unidos  da América, inclusive, foi seu o projeto arquitetônico da sede da Organização das Nações Unidas, localizada em Nova Iorque, construída entre 1949 e 1952.

Numa dessas brigas os militares conseguiam impor sua vontade e desfiguraram o futurístico projeto do aeroporto de Brasília, cujo resultado desastroso os obrigou a retomar as encomendas de novos projetos ao escritório arquitetônico do carismático e não menos irascível Niemayer que, numa genial revanche projetou o belo monumento em memória do ex-presidente Juscelino Kubitschek que, batido pelo cáustico sol do cerrado, a certa hora do dia, lança sobre o quartel-general do Exército Brasileiro, o chamado “Forte Apache”, a sombra assustadora de uma foice e um martelo entrelaçados.

Mais de cinco décadas depois, a menina Brasília de Juscelino tornou-se uma cinquentona cheia de vícios, deturpações e medos. A sua passagem é marcada pela suntuosidade dos conjuntos arquitetônicos que abrigam os tribunais superiores e a Procuradoria Geral da República.

No mais, a capital da República vive todos os dramas sócio-ambientais de outras metrópoles terceiro-mundistas, inclusive, o cinturão de comunidades pobres (as Cidades-Satélites) fruto de explosão populacional aliada à precariedade da geração de emprego e renda, um dos efeitos colaterais, também, das péssimas administrações governamentais do Distrito Federal, com governos populistas, corruptos ou ambos.

A Brasília hodierna, nestes tempos de Lava Jato, é uma cidade amedrontada, policialesca, paranóica, como nunca foi, mesmo na época de poder fardado. Agora, sob os auspícios do poder togado, a intolerância e as posturas autoritárias campeiam. No Senado Federal, por exemplo, o acesso do cidadão comum está muito restrito e precisa uma autorização  do gabinete que visitar.

Enfim, na maioria das repartições públicas de Brasília os visitantes são  vistos, de princípio, como terroristas potencialmente perigosos. Sem qualquer exagero. Só vexames e humilhações que em nada ajudam a superação do clima de insegurança. Um horror.

E isto tudo somente reflete o clima de desagregação institucional vivido pelo Brasil, em que a imagem do presidente da República está cada vez mais abalada após delações que envolvem Temer em graves casos de corrupção, isto sem falar no enorme desprestígio do Congresso Nacional em razão da perda de iniciativa política, além de ter a maioria de suas lideranças também  acusadas de receber propinas.

Enfim, evidencia-se como verdadeira a profecia de Simone de Beauvoir: Brasília foi transformada num monstro. Pobre Brasil, tristes trópicos.

Paulo Linhares é professor, escritor, jornalista e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Lucio Montiel da Rocha diz:

    VEJO QUE O SR. É MUITO PRECONCEITUOSO EM RELAÇÃO A BRASILIA. TEM UMA VISAO MUITO DETURPADA DO QUE É BRASILIA, ESPECIALMENTE HOJE. VOCÊ É DAQUELES QUE AINDA TEM UMA VISÃO DA BRASILIA DOS ANOS 60 E QUE NÃO ACOMPANHOU O CRESCIMENTO DA CIDADE E SÓ OLHA BRASILIA SOB O ASPECTO DO PODER POLÍTICO INSTALADO NA CIDADE. VEJO QUE VC NÃO CONHECE O LADO HUMANO, DO DIA DO BRASILENSE, ETC.
    SE PRA VC BRASÍLIA É UM MONSTRO, VIDE NO QUE SE TRANSFORMOU O RIO DE JANEIRO, VIROU UMA LATRINA COM TODA AQUELA SUJEIRA E ROBALHEIRA INSTALADA NAQUÉLA QUE JÁ FOI “CIDADE MARAVILHOSA”. BOM, E VAI POR AÍ….

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