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sábado - 24/01/2009 - 11:26h

De tecnologia e cirurgia

Esta é a penúltima transcrição de cartas de Rafael Negreiros a Diran Amaral. Devido ao extenso conteúdo, dividi em duas.

A outra metade sairá na próxima semana. Foi escrita em junho de 1976. Seu Rafael não imaginaria nunca o advento revolucionário da Internet com o seu alcance e versatilidade, com acesso a todos os jornais, filmes e músicas; correspondência enviada por e-mail, de forma gratuita e recebimento imediato, sem necessidade de postagem em correios; computador portátil, com CD, DVD, o escambau.

Vejamos como admirava o ‘pogressio’ como dizia, brincando. 

“Prezado Diran, a verdade é que o telefone está matando o hábito de escrever, da mesma forma como o lápis esferográfico matou a ‘caneta automática’ e esta o tradicional ‘bico de pena’. Indo mais longe o ‘bico de pena’ matou os largos ‘bicos de patos’ que por sua vez exterminaram impiedosamente os papiros. A máquina de escrever manual, depois a elétrica, a de esfera, a eletrônica. Onde iremos chegar nós, finalmente?” 

Volta a falar sobre a cirurgia. Gostava de usar termos técnicos e ficava irritadíssimo quando recebia uma crítica, por ter cometido um deslize. Certa vez, contando a história de um homem que levou uma facada no abdômen, descreveu:

– A lâmina atravessou a epiderme, a derme, o subcutâneo, a aponeurose, a musculatura, o peritônio e… a paracentese!

Os planos anatômicos estão corretos. A única falha é que paracentese não é uma estrutura, mas um procedimento que consiste na aspiração de líquido de uma cavidade, no caso a abdominal, por meio de punção. Perdia completamente o humor quando eu contava essa historia.

Volta a descrever a colecistectomia (retirada da vesícula) e apendicectomia a que fora submetido.

“Depois de uma operação que durou quatro horas, onde estive realmente em perigo de vida, com duas pedras cravadas cruelmente, uma no fígado e outra na beirada do peritônio, quase rompendo este, tive uma recuperação monumental, graças não somente ao talento espetacular do doutor Felício Falcci, alma de ouro, médico de primeira grandeza e um dos cobrões aqui do Rio, como à dedicação extremada dos quatro filhos, que pareciam quatro ferozes cães defendendo um tesouro que, penso, lhes é muito importante, não fora a dedicação que vi com meus próprios olhos, dia e noite, noite e dia, sem descanso. Armando foi o segundo anestesista da equipe e quem me botou nocaute na mesa de operações e Paulo ali ao lado, olhando, examinando, cuidando para que nada faltasse, eram bem uns nove dentro da sala de operações, segundo eu soube depois.”

“E, tendo sido iniciada a cirurgia às oito horas da manhã, terminou tudo às doze horas. Lembro-me, ligeiramente, que no dia seguinte, às três e meia da manhã, estava o Armando de joelhos na minha cama, dando-me uma lavagem estomacal com soro fisiológico, que era introduzido por um cateter de borracha, pelo nariz, até que fiquei tão bem lavado que nem sequer tive náuseas e muito menos êmese, ou seja, vômitos, para os incautos. Um show, como você vê, a gente ter filho médico, que quer mesmo bem a nós… Foram, sem exagero de qualquer espécie, uns abnegados. Eu parecia um grão senhor com quatro fiéis vassalos e várias vezes as lágrimas me assomavam aos olhos, porque me lembrava que se Ricardo fosse vivo seriam cinco, mas que fazer diante dos desígnios da caprichosa sorte?”

“O talho na boca do estômago dá mais de um palmo bem medido, só que, de quebra, me tiraram ainda o apêndice e, no dia seguinte, estava andando bem lentamente, para hoje, lépido como um passarinho, estar a rodar Rio acima e Rio abaixo, sendo que o próprio doutor Felício foi quem tirou ontem os últimos pontos de sustentação, no seu consultório particular, sem me cobrar um ceitil (moeda portuguesa antiga, que valia um sexto de real, quantia ínfima, insignificância, ninharia – observação do transcritor) sequer, porque, além da amizade dele com Armando, da puxada que dei em carta publicada no Jornal do Brasil e dos dois livros (Solo de clarineta I e II do Érico Veríssimo) com que o presenteei, ele ainda tem, de quebra, um neto por nome de Rafael… são coisas… são coisas.”

Armando Negreirosnegreiros@digi.com.br

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. xavier Junior diz:

    Parabéns Carlos, pelo resgate e publicação dessas preciosidades.

  2. Ricardo Menezes diz:

    Parabéns carlos, sugiro q crie uma ferramenta p/ armazenar esses artigos e reportagens especias.

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