• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 27/01/2019 - 11:22h
'Sucursal do céu'

Gastança e falta de planejamento afundaram país

Marcia Carmo (BBC News)

Durante quase 30 anos, entre as décadas de 50 e 80, os salários e a renda per capita dos venezuelanos eram os mais altos da América Latina, como lembram analistas, ex-imigrantes do país e moradores de Caracas entrevistados pela BBC News Brasil.

Era uma época de crescimento constante e estabilidade econômica, bem diferente do cenário atual.

Hoje, a Venezuela vive uma profunda crise econômica, política e social. Segundo dados da ONU, 3 milhões de venezuelanos já deixaram o país.

Nos anos 1970, com a alta no preço do petróleo, a Venezuela era conhecida como um 'oásis' na América Latina (Foto: Reuters)

Na década de 70, por exemplo, enquanto o mundo passava por um aperto devido à crise do petróleo, a Venezuela era inundada por dólares.

Afinal, a restrição da oferta da matéria-prima catapultou seu preço no mercado internacional.

Essa riqueza levou o país a ser batizado de “Venezuela Saudita”, em alusão à Arábia Saudita.

Isso também se refletiu no estilo de vida. O argentino Miguel Ángel Diez, que morou em Caracas entre 1977 e 1982, lembra que a capital venezuelana era popularmente chamada de “a sucursal do céu”.

Aquela Venezuela próspera e dos ‘petrodólares’ (dólares obtidos com a exportação de petróleo) atraiu intelectuais, psicanalistas, psicólogos, entre outros profissionais, além de imigrantes latino-americanos e europeus, que buscavam oportunidades econômicas no país democrático.

Em contraste com o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Chile, que viviam ditaduras militares, a Venezuela era governada por presidentes eleitos pelo voto popular. O país já havia passado por golpes de Estado e ditaduras.

Durante vários anos, como lembrou o economista e analista político venezuelano Luis Vicente León, da empresa de pesquisa e análises Datanalisis, a Venezuela investiu a renda do petróleo em infraestrutura, na construção de escolas e de universidades e na distribuição de bolsas de estudo no exterior para os venezuelanos.

‘Herança’

Para ele, o problema, porém, foi que o país vinha “administrando bem” essa riqueza desde os anos 1950, mas “se deslumbrou e errou no excesso de gastos” com os preços altos do petróleo dos anos 1970. Foi uma bolha que acabou estourando, diz.

“Era dinheiro demais e em vez de ter sido investido em mais medidas de longo prazo, foi gasto sem planejamento. Quando o preço do petróleo caiu, no inicio dos anos 1980, e o boom dos anos 1970 acabou, o país tinha dívidas. Foi como receber uma herança e não saber administrá-la”, lembra León.

Inflação na Venezuela deixa uma pilha de bolívares necessária para comprar um papel higiênico (Foto: Reuters)

Sem a renda do petróleo, sua principal mercadoria, e com desorganização econômica, a Venezuela passou a registrar alta da inflação e queda no Produto Interno Bruto (PIB).

Esse revés, contudo, não afetou tanto os segmentos mais ricos da população, que continuavam a desfrutar de uma vida com mais privilégios em relação a seus vizinhos sul-americanos, como lembram os entrevistados pela reportagem da BBC News Brasil.

‘Pêndulo’

Especialistas venezuelanos costumam dizer que o petróleo é o bem e o mal do país.

Isso porque a Venezuela possui uma das maiores reservas comprovadas da matéria-prima no mundo, mas dele é “dependente demais”, ressalvam. Sucessivos governos deixaram de desenvolver a indústria local e privilegiaram um modelo de importação de bens de consumo o que acabou por acentuar a dependência.

O petróleo é o principal produto exportado pela Venezuela, que importa grande parte do que consome em outros setores, incluindo alimentos. Na prática, quando o preço do petróleo cai, o país arrecada menos, dependendo da sua capacidade de produção.

Nos anos 1980 e 1990, a Venezuela registrou episódios marcantes em sua história como o chamado ‘Caracazo’, que foi uma revolta nas ruas contra medidas econômicas do então presidente Carlos Andrés Pérez (1974-1979 e 1989-1993); o golpe de Estado liderado por Hugo Chávez; períodos de expansão, na era do eleito Chávez; crise econômica e a hiperinflação dos últimos anos.

Uísque

Mas na época da bonança, principalmente na metade dos anos 1970, morar na Venezuela era sinônimo de segurança política, oportunidade de trabalho e ascensão econômica, como lembrou o jornalista Miguel Ángel Diez, atualmente diretor da revista Mercado, de Buenos Aires.

Ele contou que chegou à cidade com apenas US$ 800 e que conseguiu casa imediatamente. Na sequência, sua mulher e seus dois filhos pequenos se mudaram para Caracas, onde também puderam usufruir das benesses da vida no país.

“Havia uma demanda enorme por mão de obra qualificada e a Venezuela, além de próspera, era generosa com os imigrantes”, lembra. Diez, junto com o ex-senador argentino Rodolfo Terragno e com o escritor Tomás Eloy Martínez fundaram, naqueles chamados anos dourados, o periódico ‘El Diário de Caracas’, que ganhou prestígio regional.

Tomás Eloy Martínez (1934-2010) ficou conhecido no Brasil pelo livro Santa Evita, sobre a ex-primeira-dama argentina Eva Perón, e costumava lembrar com nostalgia de sua vida na Venezuela, dizendo que era um país “que buscava o futuro.”

Caracas, contou Diez, vivia com restaurantes e cinemas cheios e desconhecia a inflação – que é hoje a mais alta da América Latina.

Na época do boom do petróleo, lembra, Caracas já registrava engarrafamentos diários, porque a maioria das pessoas tinha carro e o combustível, com a farta produção petrolífera, era ‘regalado’ (praticamente de graça).

“Para nós, tudo chamava a atenção. Era comum, por exemplo, comprar bebida importada, uísque e champanhe, nos supermercados, quando aqui na Argentina isso era inimaginável”, conta.

O nível de exigência dos venezuelanos também era alto, acrescenta.

Venezuelanos protestam por conta da pobreza: salário não lhes permite sequer comer (Foto: Guillermo Olmo/BBC Mundo)

“Uma vez dei uma garrafa de uísque red label, caro, para um conhecido e ele me explicou, que para um venezuelano, gentileza era presentear um black label. Ou seja, que era ainda mais caro. Fiquei surpreso. Eram luxos de consumo que não tínhamos em Buenos Aires”, afirmou.

A fartura era tal, disse, que festas “para 100 pessoas chegavam a ter 100 garrafas de uísque importado”.

Viagens

Em conversa com a BBC News Brasil, o especialista em comunicação corporativa Federico Olioso, de 56 anos, que mora em Caracas, diz que era comum para a classe média realizar várias viagens de lazer ao exterior.

“Sou de uma família de classe média. E fazíamos duas viagens internacionais por ano. Havia bonança e não só de dinheiro, mas também com a atenção que se dava ao setor de educação e à qualidade de vida”, diz.

Ele também lembra como Caracas era animada, com restaurantes, cinemas, praças e comércio cheios, além de festivais de teatro. E que era “normal” planejar o futuro, o que hoje ficou mais difícil.

“Hoje, o cenário é muito diferente e muito triste. De noite, tudo fechado, ruas vazias e sem luz. Não há mais aquela festa de antes. E ficou muito complicado planejar, pensar no longo prazo”, lamenta.

Olioso é filho de um imigrante italiano e de uma venezuelana, neto de um colombiano e de uma portuguesa.

Famílias como a dele retratam o histórico de imigração na Venezuela. “Fomos durante muitos anos um país que causava inveja na América Latina. Hoje, é totalmente o contrário”, disse Olioso.

Ele acha que “nunca mais” voltará a viver no seu país como naqueles tempos. “Eu e meus amigos saíamos às ruas sem medo da violência. Isso não existe mais”, disse ele.

Olioso contou que é um dos poucos da sua família que continua em Caracas. Os sobrinhos e os amigos moram hoje nos Estados Unidos e na Europa. “Meus sobrinhos, que são jovens, não viveram a Venezuela que eu vivi”, disse.

Rio de Janeiro

A venezuelana Patricia Aloy, que é filha de um brasileiro e de uma cubana, conta que viajava três vezes por ano ao Rio de Janeiro.

“Meu pai era publicitário e minha mãe professora e costumávamos viajar três vezes por ano ao Rio de Janeiro para ver a família. Talvez este fosse nosso maior luxo”, diz ela à BBC News Brasil.

Designer de formação e apresentadora do programa Venezuela Sinfónica, transmitido pela internet, Aloy, de 44 anos, era criança quando a Venezuela “esbanjou e não cuidou das contas públicas”, na visão de analistas.

“Íamos a bons colégios e não era loucura pagar por isso. Podíamos comprar café, farinha, açúcar normalmente nos supermercados. Podíamos planejar o orçamento familiar. Podíamos pegar um crédito num banco. Nada disso é luxo. É sinônimo de vida normal. Mas infelizmente não na Venezuela dos dias de hoje”, diz Aloy.

Casada com o designer uruguaio Eduardo Maurin, que chegou a Caracas ainda criança com a família em 1974, ela disse que sua infância, adolescência e idade adulta foram marcadas por uma vida que hoje é “normal” em outros países da região.

“Agora, aqui, o dinheiro é curto demais e nossa vida é pensar como e onde comprar a comida, como tentar dar um mínimo de bem-estar aos nossos filhos. E também nos preocupamos muito com a violência”, diz Aloy.

O argentino Diez lembra que, nos anos 1970, as casas de Caracas já tinham porta metálica, por segurança, e que ouvia notícias sobre assaltos à mão armada e furtos.

“Mas jamais vi um caso de violência. Era tranquilo andar nas ruas e ir aos restaurantes à noite era parte do nosso cotidiano”, diz.

Nos últimos tempos, contudo, num caminho contrário ao que trilhou, Diez tem recebido venezuelanos em Buenos Aires. Tenta ajudá-los a conseguir empregos em diferentes profissões, de eletricistas a médicos. Também contratou venezuelanos na revista que comanda atualmente.

“Tento ajudar o máximo que posso. Fui muito feliz na Venezuela. Mas hoje é triste ver que jovens venezuelanos, em torno dos 25 anos, dizendo que não querem mais voltar, que não veem futuro no próprio país, no país que acolheu a mim e a milhares de outras pessoas do Cone Sul, de Portugal, da Espanha e de tantos países”, diz Diez.

Aquela Caracas, “sucursal do céu”, conclui, não existe mais.

Acompanhe o Blog Carlos Santos pelo  TwitteAQUIInstagram AQUIFacebook AQUI.

Compartilhe:
Categoria(s): Gerais

Comentários

  1. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Àqueles quem realmente, possui o hábito da leitura, peço vênia para fazer contra-ponto ao manjado e esperado artigo da BBC NEWS, claramente sofismando contra os interesses dos sul-americanos e, como não poderia deixar de ser, clamando à favor dos poderes do Status Quo americano e Europeu. Assim, ouso disponibilizar aos Web-Leitores deste respeitável Blog, artigo de Marcelo Zero, sociólogo, especialista em Relações Internacionais e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI), vejamos:

    Marcelo Zero: Para entender a Venezuela hoje é preciso saber como era antes da “revolução bolivariana”
    08/08/2017 – 17h47
    FacebookTwitterWhatsAppEmailPrint

    Para Entender a Venezuela

    por Marcelo Zero, especial para o Viomundo

    I – Antecedentes

    ão é possível se entender a atual crise da Venezuela e tampouco o regime chavista sem se compreender como era esse país antes da “revolução bolivariana” e qual o seu significado geopolítico para os EUA.

    A Venezuela está sentada na maior reserva provada de petróleo do mundo. São 298,3 bilhões de barris, ou 17,5% de todo o petróleo do mundo. Este petróleo está a apenas 4 ou 5 dias de navio das grandes refinarias do Texas. Em comparação, o petróleo do Oriente Médio está entre 35 a 40 dias de navio dos EUA, maior consumidor de óleo do planeta.

    Essas imensas reservas começaram a ser exploradas no governo de Juan Vicente Gómez (1908-1935).

    A renda gerada pela produção e exportação de hidrocarbonetos possibilitou a construção de uma infraestrutura viária e portuária, assim como permitiu a implantação de aparelho de Estado centralizado, que substituiu uma administração fragmentada e difusa.

    Contudo, essa consolidação do Estado Nacional venezuelano embasou-se apenas na exportação de petróleo para o mercado norte-americano, o que levou à Venezuela a desenvolver “relações privilegiadas” com os EUA. Tal vinculação econômica e política marcou profundamente a política externa da Venezuela, bem como sua política interna.

    Na década de 50 do século passado, a Venezuela já havia se convertido no segundo produtor e no primeiro exportador mundial de petróleo. No entanto, essa notável afluência econômica, obtida numa relação de estreita dependência com os EUA, não se refletia na diminuição de suas graves desigualdades sociais, na diversificação de sua estrutura produtiva e na implantação de um regime democrático estável. Tampouco numa política externa que combatesse seu alto grau de dependência.

    Na realidade, esse processo econômico e político marcado por tal profunda dependência resultou em três grandes consequências que têm de ser levadas em consideração em qualquer análise séria sobre a Venezuela:

    1) Um sistema político formalmente democrático, porém profundamente oligárquico.

    2) Uma política externa avessa à integração regional e a uma articulação com outros países periféricos.

    3) Uma estrutura social marcada pela desigualdade e a pobreza.

    a) O sistema político oligárquico

    Em 1957, foi celebrado o Pacto de Punto Fijo, articulado pelos EUA, pelo qual os partidos tradicionais e conservadores aceitaram alternar-se no poder, sem permitir a entrada de novos partidos. O objetivo, para os EUA, era garantir alguma estabilidade política na Venezuela, diante de sua importância como fornecedora de petróleo.

    A realização de eleições presidenciais periódicas apenas entre os dois partidos conservadores (Ação Democrática-AD, de orientação socialdemocrata, e o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente-COPEI, de tendência democrata-cristã), fez com que a Venezuela fosse apresentada como um exemplo raro de “democracia na América do Sul”.

    Trata-se, é claro, de uma grosseira falácia. A bem da verdade, o sistema político gerado pelo Pacto de Punto Fijo era muito semelhante à política do “café-com-leite” da República Velha brasileira: por trás de uma fachada de democracia, escondia-se um sistema fortemente oligárquico.

    Avalia-se que cerca de 50% da população teria sido excluída do exercício do voto desde os anos 60. Como o registro eleitoral era facultativo e como as zonas de inscrição estavam situadas apenas nas zonas mais prósperas do país, a população mais pobre não participava, na prática, de quaisquer decisões eleitorais.

    Além disso, o federalismo venezuelano era profundamente autoritário. Cabia ao Presidente da República nomear todos os governadores e prefeitos biônicos, muitos dos quais hoje militam na oposição venezuelana.

    Apenas em 1989 foram realizadas as primeiras eleições para prefeitos e governadores. Não bastasse, eram comuns as prisões de jornalistas, em razão da publicação de matérias que desgostassem o governo de plantão.

    b) A política externa satélite dos interesses estratégicos do EUA

    A “estabilidade” democrática, ainda que conservadora, formal e excludente, a afluência econômica proporcionada pelo petróleo e as relações privilegiadas com os EUA, mesmo que eventualmente contraditórias, fizeram com que Venezuela se isolasse do restante da América do Sul e dos demais países em desenvolvimento.

    Na década de 60, esse relativo isolamento foi exacerbado pela aplicação, no plano das relações externas venezuelanas, da chamada Doutrina Betancourt, criada em homenagem ao ex-presidente Rómulo Betancourt.

    De acordo com essa doutrina, a Venezuela deveria restringir o estabelecimento ou a manutenção de relações diplomáticas apenas a países que tivessem governos eleitos democraticamente conforme regras constitucionais estáveis.

    Criada para agradar os EUA, pois justificava o isolamento diplomático de Cuba, a doutrina Betancourt, porém, complicou as relações com vários vizinhos da Venezuela aliados de Washington, inclusive o Brasil.

    Assim, durante vários anos, a Venezuela recusou-se manter relações diplomáticas com o Brasil, que vivia uma ditadura. Por uma ironia da história, a “cláusula democrática”, que hoje o Brasil do golpe tenta impor à Venezuela no Mercosul, já foi usada contra nós pelos venezuelanos conservadores.

    Após levar um “puxão de orelhas” de Washington, a Venezuela flexibilizou sua cláusula democrática e passou a usá-la apenas contra Cuba, contemplando os interesses dos EUA.

    Esse isolacionismo da Venezuela, que privilegiava somente suas relações bilaterais com os EUA, fez até que aquele país aderisse tardiamente ao GATT, à Comunidade Andina e a outros organismos regionais e multilaterais, numa demonstração de total falta de iniciativa própria no cenário mundial.

    Tal isolacionismo dependente da Venezuela só começou a ser parcialmente revisto ao final da década de 80, quando a relativa abundância de petróleo no mercado internacional, que fez diminuir o preço dessa commodity, somada à crise da dívida, que viria a atingir aquele país ao final do decênio, produziu uma modesta mudança na estratégia de sua política externa.

    De fato, a política externa isolacionista, baseada na noção de uma suposta superioridade político-democrática, na afluência econômica do petróleo e nas relações privilegiadas com os EUA, principal comprador dessa commodity, passou a ser substituída progressivamente por uma estratégia de inserção no cenário externo mais realista, na qual o Caribe e a América do Sul passaram a ter lugar de destaque.

    Contudo, mesmo com essa mudança modesta e parcial, a Venezuela continuou a orbitar em torno dos interesses estratégicos do EUA na região, constituindo-se, junto com a Colômbia, no seu aliado mais fiel.

    c)A estrutura social marcada pela desigualdade e a pobreza

    Antes do “cruel e ditatorial” governo bolivariano, a Venezuela, o país com a maior reserva de óleo do mundo, tinha 70% de sua população abaixo da linha da pobreza e 40% do seu povo na pobreza extrema. Isso diz tudo sobre os governos anteriores.

    Antes do governo de Chávez, em 1998, 21% da população estavam subnutridos. É isso mesmo. No país que, como Celso Furtado escreveu em 1974, tinha tudo para se tornar a primeira nação latino-americana realmente desenvolvida, 1 em cada 5 habitantes passava fome. Essa era a Venezuela dos Capriles, dos López e da “oposição democrática”.

    Em relação à saúde pública, é preciso ressaltar que a mortalidade infantil era de 25 por mil, em 1990, quase o dobro da brasileira de hoje (13,8 por mil). Em relação à educação, apenas 70% das crianças concluía o ensino primário e o acesso às universidades era restrito às elites e à pequena classe média.

    Além disso, o Estado de Bem Estar venezuelano tinha alcance mínimo. Com efeito, na era pré-Chávez, apenas 387.000 idosos venezuelanos tinham aposentadorias ou pensões. A maioria simplesmente vivia à míngua.

    Desse modo, a Venezuela chegava ao fim do século XX com uma contradição gritante e insustentável: apesar das grandes riquezas derivadas da exportação de petróleo, o país convivia com problemas sociais muito graves.

    Em 1989, no contexto de uma crise econômica, manifestações populares se multiplicaram por todo o país.

    Uma delas, o “Caracazo”, foi duramente reprimida pelo Estado, cujas forças mataram indiscriminadamente entre 1000 e 3000 pessoas. Em muitas ocasiões, as manifestações estudantis foram também reprimidas, tendo sido ordenado o fechamento da Universidade Central da Venezuela, que durou três anos, em 1968.

    Durante vários meses, as favelas de Caracas foram cercadas por forças militares e submetidas a toque de recolher.

    Entretanto, isso não comoveu muito a “comunidade internacional”, que hoje chora as cerca de 100 vítimas dos embates nas ruas da Venezuela.

    Afinal, eram apenas pobres e excluídos sendo submetidos a um regular massacre na América Latina. Em todo caso, já estava claro, na época, que o modelo econômico, social e político plasmado no Pacto de Punto Fijo tinha atingido seu limite.

    Pois bem, a eleição de Hugo Chávez, em 1998, se insere justamente no colapso do Pacto de Punto Fijo: para uma população desprovida de sistemas públicos includentes (saúde, educação, moradia, etc.), a plataforma política de Chávez surgiu como proposta sem precedentes na história do país, o que explica, em grande parte, a sua popularidade nas camadas historicamente excluídas do povo venezuelano.

    Embora o chavismo não tenha alterado, de forma significativa, a estrutura produtiva da Venezuela, que permaneceu estreitamente dependente das exportações do petróleo, Chávez implodiu as arcaicas estruturas sociais e políticas da Venezuela, bem como a política externa de alinhamento automático aos EUA.

    A desigualdade, medida pelo índice de Gini, foi reduzida em 54%. A pobreza despencou de 70,8%, em 1996, para 21%, em 2010, e a extrema pobreza caiu de 40%, em 1996, para 7,3%, em 2010.

    O chavismo implantou as chamadas misiones, projetos sociais diversificados e amplos que beneficiam cerca de 20 milhões de pessoas, e passou a criar um verdadeiro Estado de Bem Estar Social na Venezuela. Hoje, 2,1 milhões de idosos recebem pensão ou aposentadoria, ou seja, 66% da população da chamada terceira idade.

    Na Venezuela pós-chavismo, a desnutrição é de apenas 5%, e a desnutrição infantil 2,9%.

    Após o chavismo, a Venezuela tornou-se o segundo país da América Latina (o primeiro é Cuba) e o quinto no mundo com maior proporção de estudantes universitários.

    Em relação à saúde pública, é preciso ressaltar que a mortalidade infantil diminuiu de 25 por mil, em 1990, para apenas 13 por 1000, em 2010.

    Atualmente, 96% da população já tem acesso à água potável. Em 1998, havia 18 médicos por 10.000 habitantes, atualmente são 58.

    Os governos anteriores ao de Chávez construíram 5.081 clínicas ao longo de quatro décadas, enquanto que, em apenas 13 anos, o governo bolivariano construiu 13.721, um aumento de 169,6%. Barrio Adentro, o programa de atenção primária à saúde que recebe a ajuda de mais de 8.300 médicos cubanos, salvou cerca de 1,4 milhões de vidas.

    Nove anos após as grandes inundações de 1999, que destruíram centenas de e milhares de lares, o governo de Chávez deu início a um ambicioso programa de habitações populares. Já foram construídas e entregues 2 milhões de casas. Trata-se, proporcionalmente, do maior programa de habitação popular da América Latina.

    Esses amplos e inegáveis avanços sociais fizeram daquele nosso país irmão um modelo de cumprimento dos Objetivos do Milênio da ONU.

    No campo da política externa, Chávez rompeu com o paradigma anterior de país periférico e dependente e investiu na integração regional e no eixo estratégico da geoeconomia e geopolítica Sul-Sul, com destaque para as relações bilaterais com o Brasil, o que acabou conduzindo à adesão da Venezuela como membro pleno do Mercosul, algo que nos beneficia muito.

    A Venezuela chavista tornou-se uma grande parceira do Brasil, comprando vorazmente nossos produtos e recompensando-nos com elevados superávits comerciais e com forte apoio político à integração do nosso subcontinente. Chávez era, sobretudo, um grande amigo do Brasil.

    Ademais, Chávez estabeleceu relações próximas com Rússia, China e Cuba e passou a apoiar experiências políticas que divergiam da ordem mundial dominada pelos interesses dos EUA.

    Em contraste com o isolacionismo anterior, Chávez fundou a ALBA e criou a Petrocaribe, objetivando fornecer petróleo a preços convidativos para os países daquela região. Isso explica porque a OEA, apesar dos esforços febris dos EUA e do Brasil, não consegue aprovar uma resolução forte contra o governo de Maduro.

    Mas o principal mérito do chavismo foi ter implodido o conservador e excludente modelo político venezuelano, baseado no Pacto de Punto Fijo.

    Com Chávez, assim como com Lula, Morales, Rafael Correa e outros, aqueles que não tinham voz e vez passaram a se fazer ouvir e a se fazer cidadãos. Passaram a comer, a se educar, a morar. Deixaram de ser invisíveis, miseráveis anônimos, e passaram a ser sujeitos da história.

    O chavismo, entretanto, foi além e organizou e mobilizou as massas destituídas da Venezuela, bem como passou a dominar setores importantes do aparelho de Estado, como as Forças Armadas e o poder judiciário. Isso acabou privando as oligarquias venezuelanas de seus principais instrumentos de intervenção política. São esses fatores que ajudam explicar a radicalidade do atual processo político venezuelano.

    II-A Reação

    Com todos sabem, a reação das oligarquias ao chavismo não tardou. Além do conhecido golpe de 2002, que quase resultou na execução de Chávez, houve também o processo conhecido como “paro petrolero”, a suspensão das atividades da PDVSA, a estatal do petróleo da Venezuela.

    A suspensão das atividades da PDVSA, controlada então pelas oligarquias venezuelanas, resultou numa contração do PIB de 18%, entre 2002 e 2003, inflação, carestia de produtos básicos, desemprego, aumento do risco país, etc.

    No país com a maior reserva de petróleo do mundo, houve até falta de gasolina. O governo brasileiro, ao final de 2002, enviou navio tanque com gasolina para suprir parcialmente a carência de combustíveis na Venezuela.

    O “paro petrolero” forçou o chavismo a intervir na PDVSA, dominando-a, assim como o golpe de 2002 forçou o chavismo a controlar mais fortemente as forças armadas.

    Entretanto, essas ações antidemocráticas e destrutivas, das quais participaram as atuais das oposições venezuelanas, como López, Capriles e Ledezma são eloquentes da falta de compromisso real das oligarquias venezuelanas com a democracia.

    O “paro petrolero”, em particular, evidencia que tais oligarquias não têm pruridos em arruinar a economia do país, desde que isso signifique uma oportunidade para voltar a controlar o poder perdido.

    Desde então, o processo político venezuelano permanece bastante radicalizado.

    Ainda assim, há de se constatar que o chavismo manteve seus compromissos democráticos. Desde a ascensão de Chávez e a implosão do Pacto de Punto Fijo, foram realizadas nada menos que 21 eleições, inclusive a de um referendo revogatório. Todas elas limpas e internacionalmente auditadas.

    Ademais, na Venezuela há partidos de oposição que funcionam regularmente e imprensa livre, mesmo após a cassação da concessão do canal RCTV, que articulou o golpe de Estado de 2002.

    A crítica de que o chavismo controla setores do aparelho de Estado, como o poder judiciário, por exemplo, não deixa de ser curiosa.

    Na Venezuela, como em quase toda a América Latina, os setores estratégicos do aparelho de Estado sempre foram fortemente controlados pela direita. No entanto, tal controle nunca foi questionado como algo antidemocrático.

    Ao contrário, o caráter de classe desses segmentos estatais sempre foi considerado como parte intrínseca e natural do modus operandi dos sistemas políticos do subcontinente. O controle só se torna um “problema” quando passa a ser exercido, ainda que parcialmente, pela esquerda.

    Assim sendo, não se pode falar em quebra da ordem democrática na Venezuela, apesar da radicalização do processo político e dos graves problemas institucionais que acometem o país vizinho. A última vez em que houve realmente quebra da ordem democrática na Venezuela foi no golpe militar de 2002.

    III Desdobramentos Recentes

    A situação da Venezuela atual é muito próxima da existente no período 2002-2003.

    Com a morte de Chávez, em 2013, a oposição radicalizada da Venezuela, considerou que poderia derrotar facilmente o sucessor na revolução bolivariana.

    Entretanto, a vitória de Maduro sobre Capriles, ainda que por pequena margem, frustrou as expectativas da oposição.

    Pouco tempo depois, os setores mais radicalizados da oposição venezuelana, liderados por Leopoldo López, iniciaram o processo denominado de “la salida”, que consiste na utilização de manifestações violentas de rua, com a formação de barricadas, as chamadas “guarimbas”, incêndio de edifícios públicos e até mesmo de atos terroristas com o intuito de derrubar o governo eleito.

    Trata-se de uma estratégia que teve êxito na chamada “revolução colorida da Ucrânia”, diretamente financiada e estimulada pelos EUA.

    Essas manifestações, muito concentradas nos bairros do leste de Caracas e algumas outras poucas municipalidades dominadas pela classe média e pelas classes afluentes da Venezuela são amplificadas por uma mídia nacional e internacional comprometida com os interesses conservadores.

    De um modo geral, as informações sobre as manifestações são produzidas com o auxílio das agências de inteligência e propaganda norte-americanas, que as repassam às agências internacionais de notícias, como a Reuters. A partir daí, elas se disseminam para o mundo inteiro, gerando uma percepção falaciosa do processo político venezuelano.

    Entre 2013 e 2016, esse processo político radicalizado pela oposição de direita acabou provocando a morte de pelos menos 46 pessoas, a maioria chavistas ou de pessoas sem afiliação política, bem como danos milionários a equipamentos públicos.

    Tais “guarimbas” foram e são financiadas desde o exterior. Com efeito, há uma conexão clara da direita venezuelana, particularmente dos setores ligados a Leopoldo López, com a extrema direita da Colômbia, principalmente com Álvaro Uribe e seus grupos de extermínio.

    São essas conexões e os reiterados atos de violência que levaram à prisão de López e Antonio Ledezma na Venezuela.

    Caracterizá-los como presos políticos que tivessem cometido “crimes de consciência”, como faz a imprensa brasileira, é desconhecer a realidade de uma direita que não tem, de fato, qualquer compromisso com a democracia e os direitos humanos e que aposta sistematicamente na violência como arma política preferencial.

    Concomitantemente, foi iniciado um processo econômico que visa produzir carestia, desabastecimento e inflação, tal com o ocorreu, por exemplo, no Chile de Allende ou mesmo na própria Venezuela dos anos 2002 e 2003.

    De fato, a este respeito é necessário que a crise econômica da Venezuela tem dois aspectos claros: um natural e outro artificial.

    O natural, por assim dizer, tange ao fato óbvio de que a economia venezuelana, apesar dos esforços de chavismo para diversificá-la, ainda é muito dependente das exportações do petróleo e tem agricultura e indústria débeis.

    A arrecadação tributária da Venezuela é muito baixa, apenas 13,5% do PIB, bem abaixo da brasileira, por exemplo, que está em cerca de 35% do PIB. Assim, o gasto público depende estreitamente da renda petroleira. Com a grande queda dos preços dessa commodity a partir de 2012, a economia da Venezuela passou enfrentar dificuldades reais graves, particularmente problemas cambiais.

    Entretanto, há também aspectos artificialmente induzidos na crise econômica venezuelana. Há uma guerra econômica em curso.

    Entre os instrumentos utilizados dessa guerra econômica estão: 1) o desabastecimento programado de bens essenciais; 2) a inflação induzida; 3) o boicote a bens de primeira necessidade; 4) o embargo comercial disfarçado; e 5) o bloqueio financeiro internacional.

    O desabastecimento é produzido pela especulação cambial e pelo boicote político. O governo fornece aos importadores e comerciantes dólares cotados, pelo câmbio oficial, a apenas 10 bolívares. Entretanto, no câmbio negro, o dólar chega a ser cotado a milhares de bolívares. Na semana passada, cegou a 16 mil bolívares por dólar.

    O que acontece é que muitos importadores simplesmente não importam o que deveriam. Fazem os contratos, mas importam apenas uma fração e depositam dólares no exterior. Além disso, boa parte (cerca de 35%) dos alimentos comprados são contrabandeados para o exterior, principalmente para a Colômbia, onde são vendidos com muito lucro. Outra parte é vendida no mercado interno, mas a preços excessivos, gerando carestia e inflação.

    Ressalte-se que as importações de alimentos na Venezuela totalizaram US$ 7,7 bilhões em 2014, sendo que em 2004 elas foram de apenas US$ 2,1 bilhões. Ou seja, nesse período elas cresceram 259%. E, no caso de medicamentos importados, em 2014 as importações foram de US$ 2, 4 bilhões, enquanto que, em 2004, elas somaram apenas 608 milhões. Um aumento de 309%.

    Portanto, a falta de alimentos, medicamentos, kits de higiene, peças sobressalentes para transporte e outros produtos, bem como as longas filas, não podem ser explicadas porque o setor privado não conseguiu receber uma quantidade suficiente de dinheiro para as importações. Esse dinheiro foi simplesmente desviado. Dessa forma, os depósitos em dólares de empresas venezuelanas no exterior cresceram 233% em apenas cinco anos.

    Outro fator da guerra econômica tange à inflação induzida pela especulação. Em 2016, a economista venezuelana Pasqualina Curcio estimou, com base nas reservas e na liquidez monetária, que taxa real de câmbio deveria ser de 84 bolívares por dólar. No entanto, no câmbio negro o dólar já chegava a 1.212 bolívares por dólar. Essa discrepância dilatada e sem base real alimenta um índice inflacionário inteiramente especulativo.

    Além de tudo isso, Venezuela sofre, desde 2013, com uma espécie de bloqueio financeiro não oficial. Ele consiste em tornar cada vez mais difícil e caro para a República e, especialmente, PDVSA, o acesso ao crédito no mercado internacional e em obstaculizar as transações financeiras.

    Nesta área, as armas são invisíveis: tratam-se principalmente da publicação de níveis elevados de índice de risco país e do retardamento das transações financeiras costumeiras. Observe-se que, mesmo com a crise, a Venezuela vem cumprindo estritamente as suas obrigações financeiras, de modo que tais obstáculos não têm base racional e real.

    No entanto, o fato concreto é que essa guerra econômica vem ajudando a radicalizar ainda mais o processo político venezuelano.

    Nos últimos 4 meses, morreram mais de 100 pessoas nos conflitos de ruas. Houve linchamentos de chavistas, inclusive de um que foi queimado vivo, atentados terroristas, incêndios de prédios públicos, inclusive de uma maternidade. Houve também, é claro, a morte de manifestantes da oposição pelas forças de segurança. A violência se generalizou.

    Ao mesmo tempo, o impasse institucional entre o Poder Executivo e a Asamblea Nacional, dominada pela oposição congregada na MUD, agravou-se, sem quaisquer iniciativas de ambos os lados para um diálogo sério e construtivo.

    Assim sendo, a Venezuela de hoje está à beira de uma guerra civil de proporções calamitosas e consequências imprevisíveis.

    Ante tal impasse, o governo chavista optou pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, prontamente rejeitada pela oposição.

    A oposição logo alegou que a convocação era inconstitucional e que visava perpetuar o poder de Maduro.

    Bom, em primeiro lugar, tal convocação não é inconstitucional. A convocação da Assembleia Constituinte pelo presidente da república está prevista clara e explicitamente no artigo 348 da Constituição da Venezuela.

    Em segundo lugar, a Assembleia Constituinte não substitui a Asamblea Nacional (o parlamento unicameral da Venezuela), como foi afirmado falsamente, a qual continuará a funcionar e a cumprir suas funções legislativas.

    Em terceiro lugar, a convocação de assembleias constituintes é um mecanismo frequentemente usado em países democráticos como solução pacífica para impasses políticos e institucionais como o que acomete a Venezuela atual.

    Em quarto lugar, a convocação teve apoio expressivo da população. O número de votantes para a assembleia (mais de 8 milhões) foi superior aos votos que teriam sido obtidos pelo plebiscito informal que a oposição convocou uma semana antes contra a assembleia ( cerca de 7,2 milhões de votos).

    Observe-se que esse plebiscito é que foi, sim, inteiramente ilegal. Não fosse o clima de violência criado pela oposição, as barricadas que impediram o acesso aos centros de votação e o boicote ostensivo das empresas de transporte, que fizeram locaute no dia da votação, a participação eleitoral poderia ter sido bem superior.

    Em quinto lugar, os objetivos estratégicos da Assembleia Constituinte são bem mais amplos do que o suposto desejo de perpetuar Maduro no poder.

    A Assembleia visa essencialmente constitucionalizar as misiones sociais, bem como estabelecer as bases jurídicas e institucionais de uma economia pós-petroleira. A preocupação fundamental é impedir retrocessos sociais, como os que ocorrem atualmente no Brasil, e criar mecanismos econômicos que levem a Venezuela a ampliar a base produtiva de sua economia, de modo a superar definitivamente a sua dependência dos hidrocarbonetos.

    Há de se enfatizar, além disso, que o texto que sairá dessa Assembleia só terá valor jurídico se for aprovado pela população em referendo.

    Tal constatação minimiza a crítica da oposição de que o sistema de votação estabelecido para a Assembleia Constituinte criava um “jogo de cartas marcadas”.

    Na realidade, dos 545 membros da Assembleia, dois terços (364) foram eleitos em base territorial, e um terço (181) com base em setores organizados da sociedade civil, como estudantes, agricultores, sindicatos de trabalhadores, organizações empresariais, representantes das comunidades indígenas, etc.

    Embora se possa argumentar que tal sistema gera uma distorção na proporcionalidade do voto, é necessário se entender que tal distorção é menor do que a distorção na proporcionalidade que se verifica em muitos países democráticos que adotam o voto distrital.

    No Reino Unido, por exemplo, o Partido Liberal tem sido frequentemente prejudicado, pois o percentual de cadeiras que recebe é sempre inferior ao seu percentual de votos. O partido foi sub-representado em todas as eleições para a Câmara dos Comuns no pós-1945: com uma média de 12,4% dos votos, obteve uma média de 1,9% das cadeiras. A diferença mais acentuada ocorreu em 1983, quando recebeu 25,4% dos votos e elegeu apenas 3,5% dos representantes.

    Entretanto, as distorções também se dão entre os partidos principais. Por exemplo, nessas ultimas eleições britânicas, os conservadores tiveram apenas 2,4% a mais de votos entre os eleitores que o Partido Trabalhista (42,4% x 40,0%). Contudo, conseguiram eleger 55 representantes a mais que os trabalhistas (317×262). Pela proporcionalidade do voto, tal diferença deveria ter resultado em apenas 15 cadeiras a mais.

    Na França moderna, nas duas eleições em que um partido obteve mais de 50% de cadeiras, ele o fez por intermédio de maiorias manufaturadas por distorções: em 1968, os gaullistas (atual RPR) receberam 38% dos votos e 60% das cadeiras; em 1981, o Partido Socialista, com 37% dos votos, ficou com 57% das cadeiras.

    Assim sendo, caracterizar a convocação da Assembleia Constituinte como um “golpe” ou uma “ruptura da ordem democrática” é algo de evidente má-fé. Pode-se não concordar com tal convocação, mas não se pode denominá-la de “golpe”. Golpe foi que aconteceu no Brasil.

    A alternativa à Assembleia Constituinte parece ser uma guerra civil aberta. Ao menos, a Assembleia Constituinte cria uma oportunidade para que se estabeleça um diálogo que supere o atual impasse político e institucional daquele país.

    Lamentável, em todo esse processo, é a posição do governo golpista e sem voto do Brasil. Desde que assumiu ilegitimamente o poder, esse governo fez da suspensão da Venezuela do Mercosul e da derrubada do governo chavista a sua diretriz principal em política externa, atuando como braço auxiliar dos EUA no subcontinente.

    Ao fazê-lo, o governo golpista apequenou o Brasil e retirou qualquer possibilidade do nosso país atuar como mediador de conflitos na região, como vinha fazendo nos governos do PT.

    O empenho do Brasil contra a Venezuela foi de tal ordem que a suspendeu duas vezes do Mercosul. Com efeito, antes da última decisão de utilizar a cláusula democrática do Protocolo de Ushuaia, a Venezuela já estava suspensa, na prática, do Mercosul desde dezembro do ano passado, sob a escusa, sem embasamento jurídico, de que o país não havia internalizado todas as normas do bloco, situação que se verifica em todos os Estados Partes.

    Assim, a decisão de utilizar a cláusula democrática representa mera peça propagandística contra o governo legitimamente eleito da Venezuela.

    Além de empenhado nos retrocessos socais e políticos internos, o governo do Brasil está empenhado também em forçar retrocessos na região.

    Nosso principal produto de exportação é hoje o golpe.

    ==============================================================================

    Conforme se pode inferir e constatar, tratam-se de visões de mundo e de sociedade diametralmente opostas. Haja vista que o enunciado do Artigo da BBC, vislumbra tão somente a continuidade intocada dos monopólios dos interesses do grande capital, mormente os interesses políticos do 1% que atualmente detona o mundo em sua insaciável sede de poder, riqueza e mando no conjunto das relações geopolíticas internacionais tendo como carro chefe as Petroleiras. Para tal, interveem, manipulam e, se necessários usam e abusam do álibi e do que entendem como democracia, para dar golpes à torto e a direita.

    Já no ponderado e lúcido artigo de Marcelo Zero,vislumbra-se claramente um estudo minimante equilibrado do conjunto das relações internacionais e sues interesses nacionais no contexto histórico, sobretudo dos países ditos periféricos e que fazem parte do cone sul, sempre e sempre historicamente à mercê dos interesses americanos do norte e europeus, os quais não conseguem enxergar, alternativa outra, que não, a continuidade e o aprofundamento da submissão geopolítica e escravidão dos governos e cidadãos latino americanos junto aos seus “antigos” colonizadores.

    Conforme se pode verificar quando da leitura dos dois artigos, o primeiro apoia incisivamente a volta ao passado que privilegiava a meia dúzia de sempre.Já o segundo artigo, descortina pari passu do ponto de vista histórico em suas razões , objetivamente propõe um caminho que não é fácil, porém, descortina a possibilidade real da construção de um futuros menos dependente, menos oligarca,menos corrupto ,mais plural e menos submisso aos interesses alienígenas, conquanto os governos sul-americanos-democraticamente eleitos por Partidos de esquerda e(ou)nacionalistas,efetivamente em demonstrado no curso da história latino-americana.

    Por favor, leiam e reflitam, sobretudo do ponto de vista histórico…!!!

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN.7318.

  2. Francisco César. diz:

    Matéria jornalistica interessante, mas com relatos muito triste. E uma pena que o povo venezuelano esteja passando por essas terríveis dificuldades. e muitas vezes nas redes sociais, aparecem comentários de pessoas de maneira maldosa contra esse povo sofrido.

  3. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Em telegrama.
    Povo sofrido VG o venezuelano PT Está esquálidoPT Problema da Venezuela só acaba com o extermínio do último sobreviventePT

  4. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Outro telegrama.
    Há salvação para a Venezuela PT
    Basta a queda do fruto maduroPT

  5. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Sra. NAIDE ROSADO, respeitosamente lhes indago de Vossa senhoria,que muito embora, repetidas vezes em seus comentários tem manifestamente demonstrado insofismavelmente, e, se colocado na órbita do espectro político à lá´extrema direita nacional…!!

    Qual a diferença entre o seu alienado, esdrúxulo, obtuso, odiento e odioso comentário publicado como cidadã e advogada, quando comparado com o mavioso comentário da sua colega de compreensão do mundo político e social, Ilustre Marília Neves, do Tribunal de Justiça do Rio, que disse em alto e bom som que não está arrependida de ter feito um comentário afirmando que a vereadora Marielle foi eleita pelo tráfico. Na sexta-feira, a magistrada comentou no Facebook: “A questão é que a tal Marielle não era apenas uma ‘lutadora’; ela estava engajada com bandidos! Foi eleita pelo Comando Vermelho e descumpriu ‘compromissos’ assumidos com seus apoiadores”, escreveu, sobre falsas informações divulgadas na internet.

    Em outro post, a desembargadora disse que o deputado Jean Willys merecia ir para um paredão (de fuzilamento) “embora não valha a bala que o mata”. Sobre a postagem, disse que fez “uma ironia com o apoio declarado do deputado ao regime cubano” e que não defende “o paredão”. Willys informou que vai apresentar queixa-crime contra Marília.

    Repito Sra. NAIDE ROSADO,então qual a diferença…!!!???

    Por fim, tenho que, além de entender um claro desvio de formação política, serenamente lhes afirmo, tenho certeza que algum dia um profissional da área irá catalogar, ao lado do transtorno obsessivo compulsivo, do transtorno bipolar e demais neuroses do mundo moderno, o “ódio insano a Lula” o ódio doentio ao PT e Partidos de esquerda. Sinceramente, se eu sentisse um só destes sintomas em relação ao ex-presidente –ou a qualquer outro personagem da política–, procuraria ajuda médica imediatamente. Posto que, simplesmente, É doentio.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN.

  6. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Dr. Fransueldo. Obrigada pelo laudo psiquiátrico que me forneceu. Ele não confere com a realidade e em nada muda a minha conduta e percepção política. Abomino extremos, desconheço o ódio. Em relação ao ex-presidente Lula, meu sentimento é o de compaixão.
    Teve a chance de se destacar por dirigir nosso país continental. No entanto, encontra-se enclausurado pelos graves erros que cometeu. O sr. acha que comemoro isso? Não me conhece. Não me conhece mesmo.
    Há muito o que lamentar por nosso Brasil vilipendiado.
    Nem é oportuno falar da Venezuela. No entanto, não há erro no que disse sobre esse país. Basta ver seu povo famélico, esquálido. Verdade nua e crua. Não pode ser escondida.

  7. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Em tempo, Dr. Fransueldo. Enviei telegramas para poupar espaço, diante de seus comentários sempre muito longos, com todo respeito.

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2024. Todos os Direitos Reservados.