Por Damião Nobre
D. Ariano Sebastião Quaderna Suassuna se encantou. Ou será desencantou? Subiu, avoou e se danou das profundas da Pedra do Reino num alazão branco de arreios prateados ao som da Philarmonica Armorial de Taperoá, sob a regência do maestro Vital Farias, com o violão-solo do menestrel da caatinga, Elomar Figueira de Melo.
Vestido com um gibão de couro bordado a ferro e fogo com luas, estrelas, a cruz de Cristo e as tábuas de Moisés, desceu do cavalo, amontou-se na Onça Caetana e saiu com sua espada de samurai degolando cardeiros e xique-xiques nas quebradas do sertão, na direção de Canudos em busca de Toinho, o Conselheiro, com quem escreveria o Novo Apocalipse.
Enfrentou, a golpes de peixeira e clavinote, os mares bravios do pequeno Rio Grande, as cachoeiras voluptuosas da ignorância, os galicismos, todos os estrangeirismos, as emissões eletromagnéticas emitidas pelos cornos de Satanás, o fogo do inferno que à temperatura de 451 graus Fahrenheit queima livros e destrói neurônios e implanta o domínio da mesmice e da mediocridade, os raios-gama, os raios-x, os raios que o partam, os raios que os pariram.
Ariano, de sangue mouro de sarapatel, de genes de índio e de negro, de pele branca como a neve e de pensamento cafuzo, monárquico e imperial, esporeou as desigualdades e os privilégios, desapeou das concessões e honrarias e, medalhado pelos poderes do povo, adentrou no pórtico da cidadela, subiu as escadas da igreja, penetrou na sacristia e tomou do vinho sagrado no Santo Graal enquanto fogos de artifício pipocavam nas cercanias, desintegrando cristais e incendiando as sedas e o linho das bandeiras e dos brasões.
Ouro, incenso, mirra, salmoura e salitre jorraram das telhas e das biqueiras e aldeões embriagados recolheram em latas d’água o elixir da longa vida e o licor dos ancestrais, aguarrás e absinto, enquanto o cavaleiro alado subia à torre da igreja e tocavam os sinos a melodia imortal, uma valsa de Zequinha de Abreu.
O sol se pôs, uma lua cor de sangue emergiu das profundezas do mar com o lobisomem aguardando escondido numa moita de mufumbo as horas que são para galopar pela caatinga e combater o mal que a eternidade não acaba. Excomungados e anticristos, Cícero, Lampião e Ganga Zumba, João Ubaldo, Rosa e Vinicius, Hermilo, João Grilo e Chicó, vestindo túnicas rubras e empunhando punhais e taças de prata receberam o cavaleiro da Pedra do Reino em cerimônia provençal.
Os galos cantaram pela última vez e o cego Aderaldo com sua rabeca encerrou o cerimonial que os olhos não verão, os ouvidos não ouvirão e a memória não guardará.
Damião Nobre é médico e escritor
Belo texto doutor.
Só quem sabe dizer e diz bem dito.
Obrigado Meu caro Damião, pela nobre e melodiosa aula em homenagem ao não menos nobre Ariano Suassuna. Nela temos muito da história e da importância desse defensor das artes e ao mesmo tempo da brasilidade tão fragilizada e desrespeitada nas últimas décadas, sobretudo após a “gloriosa de 1964”.
Ariano encantado ou não, se foi, e, com certeza se foi na esperança de que nós brasileiros sabedores da sua importante e baluarte luta, possamos pari passu fazer renascer em todos nós , arianinhos suassuna para que dia-adia possamos gradativamente implementarmos e fazermos recifes e arrecifes como última barreira às alienações da nossa cultura e do nosso modo de viver, aos estrangeirismos e ainda latentes complexos de vira latas tão manifestos e desnecessários e nocivos ao nosso verdadeiro progresso.
Um abraço
FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
OAB/RN. 7318.
Parabéns, Damião, nobre e belíssimo texto e homenagem!