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domingo - 02/12/2018 - 08:18h

Paixão e ódio – Uma história da época dos coronéis

Por Honório de Medeiros

De Laurence Nóbrega, grande amigo meu e do famoso escritor Florentino Vereda, recebi o bilhete abaixo:

Mando anexo um arquivo em Word, com a transcrição que fiz, de uma história contada por Trajano Pires da Nóbrega, no seu estudo da genealogia da família Nóbrega, da qual eu sou um dos menos ilustres membros. Trata-se da fuga da filha do Capitão Justino Alves da Nóbrega, mais conhecido como Capitão Justino da Salamandra, o mesmo que atacou a cidade de Santa Luzia e libertou o primo Liberato Cavalcanti de Carvalho Nóbrega, preso injustamente por inimigos políticos.

Não sei se este é o cangaceiro a quem você se referiu na nossa conversa recente. Caso queira pesquisar mais a respeito dele, consulte as “fotocópias” que lhe enviei ou, se preferir, diretamente no livro de Trajano. Um bom fim de semana.

Laurence “Sunila

“Ouvi a seguinte história acerca do casamento de Marcionila Bezerra da Nóbrega (Sunila), com Braz Cavalcante, que me foi narrada por Severino Duarte Pinheiro, neto do seu irmão Martinho Alves da Nóbrega.“Marcionila, filha do Cap. Justino Alves da Nóbrega, ou Cap. Justino da Salamandra, chefe do Partido Conservador em Santa Luzia, tinha o gênio forte e voluntarioso como o do pai. Foi pedida em casamento por Brás Cavalcante, rapaz de Sapé que andou em Santa Luzia, pedido que, apesar de ser do seu agrado, foi definitivamente repelido pelo pai. Não se conformando com esta recusa, a moça deliberou fugir, o que chegou ao conhecimento do pai, que logo decretou a sentença de morte da filha, caso pusesse em prática o seu plano de fuga.

Nada intimidou a moça, que, seguindo o hábito paterno, usava constantemente pistola e punhal ocultos na própria roupa.

Sentindo que a filha seria capaz de realizar o seu plano, o Cap. Justino passou a manter constante e ativa vigilância. Como que de propósito, a casa só tinha duas aberturas acessíveis à moça, uma porta e uma janela, esta no oitão da casa.

Intensificando a vigilância, o velho admitiu um auxiliar, que era um rapaz de confiança, que sempre mantinha em uma casa na fazenda, à frente da casa grande. Enquanto, à noite, o velho dormia perto da porta, o rapaz dormia perto da janela. Não havia outra saída.

Em uma noite, porém, de grossa invernada com forte trovoada, coincidiu que o rapaz auxiliar da vigilância faltou; mas o velho dobrou o cuidado.

A moça, que mantinha secreta correspondência com o noivo, tinha assentado fugir na primeira noite de tempestade que houvesse. Aquela seria a tal.

Da sala de jantar, ficou observando, ocultamente, os menores movimentos do pai. Viu-o deitar-se, mas sempre atento à chuva. A certa hora o velho levantou-se o foi abrir a porta para olhar a chuva do alpendre.

Compreendendo o gesto paterno, a filha a filha abriu a janela no mesmo instante em que o velho abriu a porta, de modo a confundir os dois em um só ruído. E deu certo. O pai não percebeu que a janela tinha sido aberta e que, por ela, sem perder um instante sequer, a moça se passara para fora, saindo para a chuva e à escuridão, não tardando a encontrar-se com o noivo, que a aguardava a pequena distância, com o cavalo de prontidão.

Correram até a vila de Santa Luzia, onde chegaram alta madrugada, procurando abrigo na casa de residência do chefe político do Partido Liberal, adversário e inimigo do Cap. Justino. Aí foram guardados, trancados em um quarto, de modo a não serem pressentidos por ninguém, pois o velho Justino era geralmente temido.

Ao amanhecer o dia, o Cap. Justino foi surpreendido com a realidade. A filha tinha fugido, realizando o plano que tentava frustrar com tanto empenho. E a revolta, na sua alma voluntariosa, que não admitia tal indisciplina, principalmente por uma filha, não teve limite.

Determinou imediata perseguição ao casal de fugitivos, até encontrar para matar ambos, sangrados ou fuzilados.

Convocou, no mesmo instante, todos os seus homens, e deu ordens severíssimas para saírem em perseguição ao casal, até encontrar e matar. Mas a chuva grossa da noite havia desfeito todos os rastros. Não era possível descobrir o rumo seguido pelos fugitivos. Mandou, então, gente em todas as direções; mas nada de notícias, ninguém vira os fugitivos nem deles tivera notícias.

Parecia que a terra os havia engolido.

Depois do terceiro dia, continuando as indagações e as ameaças, cada vez mais terríveis, o chefe da casa que lhes havia dado guarida, temeu pela segurança dos seus e pediu ao rapaz que se retirasse com a moça. Aguardaram a noite e fugiram a cavalo, por volta da meia noite.

Tomaram rumo ignorado, o que foi fácil porque ninguém suspeitava que os fugitivos permaneciam em Santa Luzia.

Cerca de um mês depois chegou a primeira notícia da filha; sem se denunciar onde permanecia oculta, mandou pedir ao pai autorização para casar-se, o que era indispensável na época. Não só recusou o pedido, como intensificou a perseguição, embora sempre improfícua, pela impossibilidade de ser localizado o casal fugitivo.

Em face desta intransigência do velho pai, a moça passou a fazer vida marital com o noivo, mesmo sem o casamento, o que tinha evitado até aquele dia, com o seu rigoroso senso de honra. Houve diversos filhos desta situação.

A perseguição, ou melhor, a ideia de perseguição continuou sem esmorecimento ao longo de 12 anos de vida que ainda teve o Cap. Justino Alves da Nóbrega.

Sentindo a proximidade da morte, deixou ao filho mais velho, Martinho, a incumbência de manter a perseguição, por toda a vida. Mas, de ânimo moderado, Martinho Alves da Nóbrega, logo que o velho pai havia desaparecido, relaxou a recomendação, combinando em que a irmã se casasse como desejava.

O casal veio a residir nas proximidades dos irmãos, perto da Salamandra, da Malhada do Umbuzeiro, da Noruéga, que eram as principais propriedades da família, herdadas do rancoroso pai.

Viveram muitos anos. D. Marcionila, já viúva, ainda era viva até há poucos anos, tendo falecido depois de 1950”.

* A Família Nóbrega – Trajano Pires da Nóbrega (1ª Edição: 1956, páginas 578 a 580).

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Justino era como os homens da época, queria determinar o destino da filha, proibindo-lhe a escolha que fizera.
    Penso na dificuldade das mulheres daquele tempo, sem chance de viver um amor verdadeiro, tantas vezes obrigadas a casamentos de conveniência. Imagino que árdua tarefa deitar-se com alguém, sem amor ou sem a menor atração, suportando o peso indesejado de alguém que jamais lhe conduziria a sensação indescritível e sagrada do prazer.
    Justino era mandão e rancoroso. Teve os brios feridos com a fuga da filha o que desnudou-lhe a alma vingativa e a moça Marcionila permanecia pura. Não se desnudara, ainda. Deve ter lutado bravamente, para suportar o desejo sadio, que devia cantar por seu corpo virgem.
    O pai não se comovru.Negou-lhe a permissão para o casamento por querer seu orgulho machucado sobreposto à desobediência.
    Nessa vida curta, quanto já se perdeu pela soberba. Morreu e não deixou ira de herança. O filho não cumpriu suas determinações e abraçou a irmã.
    Marcionila foi feliz, teve os filhos do homem que amava .
    Conjecturo sobre a mulher de Capitão Justino, mãe de Marcionila. Se viva, deveria ser subjugada e chorar pela filha, além de compartilhar seus momentos íntimos com um marido que não sabia amar.
    Capitão Justino poderia ser valente, mas não era hábil
    nós lençóis da vida.

  2. Anita Lucena Nóbrega diz:

    Sou bisneta de Marcionila e admiro esta mulher pela sua coragem e luta !Não se rendeu aos caprichos do pai.Aqui não tem nem a metade da história dela, ouvi meu pai contar muitas . Meu avô Severino Braz filho de Marcionila também contava algumas.

  3. MAURO MOREIRA DA NÓBREGA diz:

    Sou bisneto de Martinho Alves da Nóbrega (Capitão Nóbrega), Capitão Justino da Salamandra era meu Triavô! Gostei da crônica, muito bem narrada. Porém, faço uma observação: A história que se conta na Malhada do Umbuzeiro, em Junco do Seridó, tem um desfecho diferente desse ai. Agora fiquei curioso pra entender qual das duas histórias, realmente condiz com a verdadeira.

  4. Fabi diz:

    Me chame no wathsapp pfvr gostaria de conhecer a história . 83 99838 6408

  5. João Medeiros de Amorim Araújo diz:

    Minha triavó Felina Justina da Nóbrega era filha do Capitão Justino. Era casada com Estuque Bezerra da Nóbrega.
    Minha bisavó era Carolina Felina da Nóbrega, casada com Manoel Joaquim de Medeiros.
    Grande abraço primo!

  6. Mauro Moreira da Nóbrega diz:

    Eu tinha ouvido essa história com o final um pouco diferente, mas realmente esse é o desfecho da história!! Sou Trineto do Capitão Justino, Bisneto de Martinho Alves da Nóbrega.

  7. Anita Lucena Nóbrega diz:

    Sou bisneta de Marcionila e Braz Cavalcante, ouví meu avô Severino Braz ( filho de Marcionila) e meu pai Manoel Braz e todas as minhas tias contarem esta história, é um pouco diferente. Vou resumir : Braz. Pertencia ao bando de capangas do Cap Justino que não aprovou o namoro da filha , os enamorados cobinaram fugir na na primeira noite de invernada e assim fizeram, fugiram a cavalos foram morar em uma serra onde tinha um furna de onça (abandonada) moraram sete anos neste lugar formaram seu próprio bando e quando resolveram sair da serra já tinha sete filhos.

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