• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 26/12/2010 - 13:19h

“Seu” Chico, nosso honorável ministro

Por favor, não me pergunte. Não, não sei maiores detalhes de sua vida mais remota.

As informações que estão fixadas em minha memória têm outro formato; fluem da minha infância até aqui, sem o detalhismo exigido de um biógrafo. Nesse interregno, ele sempre foi "seu" Chico.

Chico Honório, assim os meus velhos o tratavam solenemente. Comigo, sempre a cortesia. Para ele continuei "Carlinhos", mesmo que há muito tenha dobrado o Cabo da Boa Esperança da vida. Crescido.

Nunca efetivamente deixei de ser isso, quase um "Peter Pan", diminutivo que não me apequenava. Mantinha-me menino diante de seus olhos acolhedores, mão empalmada e lirial, sempre pronta pro aceno fraterno.

A cabeça levemente inclinada, o sorriso perene. Imagens que ficam.

Pros vizinhos do entorno da Capela de São Vicente, era um senhor honorável. Combinação perfeita com a professora Aldeíza Fernandes – mulher e diretora da Escola "13 de Junho", ali tão próxima, vértice entre nossas casas que pareciam coladas e contíguas.

Era o homem religioso, impregnado de fé. Feito ministro da eucaristia, tinha um mandato vitalício, incomum, proclamado pelo pároco de nossa capela, padre Sàtiro Dantas. Decisão autocrática, democraticamente aceita.

Digno ministro em nossa república sentimental. Pra toda a vida. Agora, além dela.

"Não somos matéria e espírito: somos pessoa", proclamou Sátiro na missa de corpo presente do "seu" Chico.

– Foi o homem mais decente que conheci – sussurou ao meu lado o bancário Wagner Azevedo.

Bem depois, um circunstante resmungou indagação desnecessária: "Será que ele tinha inimigos?" O empresário Manoel Barreto, também da República da São Vicente, riu em compasso antes de dissipar dúvidas: "Impossível".

Santo? Não, santo não. Humano, carregado de simplicidade, desprovido de apegos puerís. Amante da viola, do repente, desde a juventude mais primária. Homem de família e dos amigos.

Depois da perda de Aldeíza, em maio deste 2010, a fragilidade o levou a uma rendição continuada e incondicional. Parou de respirar, porque de algum modo deixara de se inspirar.

Pai de Honório de Medeiros, o "Medeirinhos", de Maria Emília, avô de Bárbara e Diogo, eis "seu" Chico.

É o mesmo que não se embrutecia até nos momentos mais asfixiantes. Aplacava a intolerância sendo apenas "seu" Chico.

Caminhando a passos lentos, perto da São Vicente, ele foi abordado por um assaltante muito jovem. Nervoso, rosnando que queria dinheiro, o biltre não tirou a vítima da placidez: "Eu só tenho esse relógio".

Apesar de insatisfeito, forçou a subtração do objeto do seu braço. Antes de retirar-se, porém, ouviu a reação de "seu" Chico:

– Vá com Deus, meu filho. Tenha cuidado.

Minutos depois, o mesmo assaltante voltou a surpreendê-lo. Devolveu-lhe o relógio e rapidamente retomou a fuga, com as mãos abanando, mas coração alcançado pela compaixão.

Parece história da carochinha? Não, é de nosso universo particular: a "Terra do Nunca", em que custamos a crescer, porque não nos faltam personagens verdadeiros preservando sonhos.

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. Monaliza diz:

    Explêndido, Carlos…

  2. David de Medeiros leite diz:

    Em nosso livro “Ombudsman Mossoroense”, dedico uma crônica ao meu padrinho, justamente com o título: “Ministro Francisco Honório”…Abordo essas suas (dele) características: simplicidade, retidão de caracter, fé…
    Parabéns pelo seu texto, Carlos.
    Abraços
    David Leite

  3. Ciro de Medeiros Leite diz:

    como vizinho de parede, tive o privilgio da convivência com Seu Chico. Na ausencia dos meus avós ele, naturalmente assumiu o posto. Assim o via e assim facará para sempre em minhas memórias.

  4. irismaia05@yahoo.com.br diz:

    Parabéns pela belíssima crônica, Carlos Santos.

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