Por François Silvestre
Era um pequenino sÃtio, ali posto. Subindo a ladeira, no alto do Cumbe, via-se o talhe da serra de Portalegre. E ao se espalhar os olhos estendia-se a vasta estepe muito distante, para o olhar de criança, da paisagem do sertão ali exposta.
Mas o assunto é o sÃtio, de dimensões raquÃticas, como já dito. Uma casa de cinco cômodos, piso de barro batido, à exceção da sala maior, biblioteca do dono, tijolada e bem cuidada. Uma baixada com mangueiras, jaqueiras, cajueiros, laranjeiras e trapiás, desaguada numa pequena lagoa, que aguava também outros sÃtios vizinhos.
O dono? O padre Alexandrino Suassuna de Alencar. Nesse sÃtio eu vivi minha primeira infância. Oito anos. Desmamado da minha mãe, aos três meses de idade, fui criado por uma cabocla que o padre trouxe de Serra Talhada para esse fim. O padre Alexandrino, cujo nome era uma homenagem a Alexandrino Suassuna, pai de João Suassuna, que foi governador da ParaÃba, e avô de Saulo, Humberto, João, Marcos, Selma e Ariano Suassuna.
O padre Alexandrino, ordenado em São Paulo, após seminário menor em Fortaleza, foi Reitor do Seminário de Pesqueira, Pernambuco, vigário de Serra Talhada, de onde trouxe meu pai, que casou com minha mãe, irmã dele. Depois exerceu o sacerdócio em várias paróquias de Rio Grande do Norte. Caraúbas, Campo Grande, Lajes, Goianinha, MacaÃba.
Essa foi sua última paróquia, ao abandonar a atividade eclesiástica para fixar-se nesse sÃtio do Martins. E lá estão seus últimos paramentos sacerdotais, complementos das vestes talares, num museu na casa do Ferreiro Torto. Ele batizou Valério Mesquita e obrigou os pais do batizado a se casarem na igreja católica. Aà não sei quem é currÃculo positivo ou negativo desse feito. “Só sei que foi assim”.
Na sala da sua biblioteca, no SÃtio do Pé do Cumbe, até meus oito anos, sem referência a Cassimiro de Abreu, meus brinquedos dividiam espaço com seus livros. Bolas de borracha ou gude, carros de plástico ou de cascas de cajazeiras, se escondiam por trás de Tomás de Aquino, Aristóteles, Platão, Fustel de Coulanges, Goethe, Padre Vieira, Padre Antônio Tomaz, Antero de Quental, Santo Agostinho, Érico VerÃssimo, José de Alencar e outros…muitos outros.
Ariano Suassuna, seu primo, ainda não merecia lugar ali. Eles se encontravam em Recife, nas peças encenadas nos palcos do Santa Isabel. Aos quarenta e nove anos ele morre de um infarto fulminante, embaixo de uma touceira de açaÃ, cortando maniva pras vacas de leite, na beira da pequenina lagoa. E eu? Fui deserdado do sÃtio do pé do Cumbe.
Mas isso é outra história.
François Silvestre é escritor
Que maravilha! Quanta história há em sua vida, meu irmão!
Parabéns. Gosto destes relatos, que mostram o cotidiano dos tempos passados.
Com certeza palavras oriundas da retina da saudade, num alumbramento perfeito de vagalumes invernais rasgando o sudário das noites sertanejas. Com certeza os diques da emoção inundaram o peito e transbordaram pelas janelas da alma. Êxodo e dispersão de pretéritos que reclamam proclamas Divinos. Perdoar ??? – Quem há de ???.