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domingo - 27/09/2015 - 08:14h

Quod erat demonstratum

Por Antônio Delfim Netto

A maior barbeiragem política e econômica da história recente do Brasil foi a inacreditável remessa ao Congresso de um Orçamento com déficit nominal. Sua interpretação mais amigável foi a de que o Executivo jogara a toalha e confessava a sua impotência! A Standard & Poor’s, surpresa, perplexa e arrependida de nos ter dado um voto de confiança, acelerou o passo. Tomou-nos o grau de investimento e aplicou-nos um viés de baixa, o que deteriorou ainda mais fortemente a visão que o mundo tem do país.

Antes de tentar entender a nova proposta do governo, é preciso saudá-la. Foi um sinal que o Executivo, depois de tantas idas e vindas, também arrependeu-se. Procura, agora, recuperar seu protagonismo. Promete um superávit primário do setor público consolidado (União e unidades federadas) de 0,7% do PIB (estimado para 2016 em R$ 6,3 trilhões), ou seja, qualquer coisa parecida com R$ 43,8 bilhões, dos quais a União proverá R$ 34,4 bilhões (0,55% do PIB), mas, infelizmente, ignora o déficit fiscal estrutural.

No mal inspirado projeto original havia um déficit nominal de R$ 30,5 bilhões. O novo programa propõe, portanto, uma combinação de corte de despesas e aumento de receita da ordem de R$ 64,9 bilhões (34,4 + 30,5, cerca de 1% do PIB) composto por um aparente corte de gastos de R$ 24,7 bilhões que se soma a um aumento das receitas de R$ 40,2 bilhões. Isso sugere um certo “equilíbrio”: a cada R$ 1 cortado “na carne” pelo governo, ele receberia um bônus da sociedade de R$ 1,63 de impostos!

Infelizmente, o retorno da CPMF é um sinal sinistro

Infelizmente, a coisa é mais obscura. Em primeiro lugar, diante da situação falimentar em que se encontram muitos Estados e municípios, parece duvidoso esperar que eles façam superávit primário de 0,15% do PIB. Estão desesperados atrás de uma “carona” de 0,18% na alíquota da sonhada CPMF, que seria elevada a 0,38%. Se tiverem sucesso, assistiremos uma “derrama” igual à que produziu a Conjuração Mineira, no século XVIII.

Qual é, afinal, o “verdadeiro corte” de despesas proposto? Não é fácil saber. Salvo melhor juízo, trata-se: 1) de uma “pedalada” no reajuste do salário dos servidores públicos de janeiro para agosto de 2016, o que representa R$ 7 bilhões. É preciso muito boa vontade para creditá-la como “corte”; 2) do fim do abono “pé na cova”, que pode economizar no curto prazo R$ 1,2 bilhão, mas talvez aumente a despesa no futuro; e 3) de algumas medidas administrativas que adiam gastos que, se bem-sucedidas, representarão R$ 4,3 bilhões.

Somados, atingem R$ 12,5 bilhões. A dificuldade com parte desses “cortes” é que terão de ser negociados com o sindicato do funcionalismo público: o Partido dos Trabalhadores!

Talvez se possa simplificar a exposição. Se somarmos o aumento de impostos de R$ 35,7 bilhões (o valor dos impostos sem o que poderia ser deduzido pelos que recolhem para o Sistema S) ao imaginado corte de despesas, teremos R$ 48,2 bilhões. A diferença entre R$ 64,9 bilhões para produzir 0,55% do superávit primário da União e os R$ 42,8 bilhões é de R$ 16,7 bilhões. O problema é que aqui nada há de “cortes”. Há apenas substituições de fontes usando os recursos dos preços mínimos, do Sistema S e do setor exportador.

De fato, na melhor das hipóteses, o esforço do governo será menor do que 20% do total do ajuste, ou seja, para cada “suposto” corte de R$ 1, ele pede um presente de R$ 4! O resto é aumento de imposto (que reduzirá o crescimento e aumentará a inflação) ou transferência de recursos de setores onde, obviamente, seriam aplicados mais eficientemente.

É possível, por exemplo, comparar a qualidade do ensino no Sistema S (que acaba de ganhar uma olimpíada internacional) com a tragédia do ensino público?

Infelizmente, mesmo sendo parte inevitável de um ajustamento, o retorno da CPMF é um sinal sinistro. Em lugar de aprimorar o sistema tributário nacional, vamos acrescentar-lhe mais um aleijão cumulativo, regressivo, inflacionário e redutor do crescimento econômico. O primeiro inconveniente é provado por definição e o segundo pela pesquisa empírica. O terceiro é evidente: parte, pelo menos, de um imposto de R$ 30 (ou R$ 60) bilhões (entre 0,5% e 1% do PIB), será transferida para os preços.

Quanto ao quarto, o mais grave inconveniente, a prova é aritmética. Ninguém, diante das evidências que jorram, diariamente, das páginas econômicas e policiais das mídias jornalísticas, radiofônicas, televisivas e sociais, pode duvidar que os escassos recursos de que dispõe a sociedade brasileira têm maior produtividade nas mãos do setor privado do que nas mãos do setor público.

Logo, a transferência de 0,5% do PIB (ou, eventualmente, 1%) do setor privado para o público reduzirá o crescimento do PIB. “Quod erat demonstratum” (como se queria demonstrar).

É preciso paciência e conformismo. O PIB vai cair ainda por algum tempo. Apenas a dívida pública bruta/PIB vai continuar crescendo.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

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Categoria(s): Artigo / Economia

Comentários

  1. cadInácio Augusto de Almeida diz:

    “o retorno da CPMF é um sinal sinistro. Em lugar de aprimorar o sistema tributário nacional, vamos acrescentar-lhe mais um aleijão cumulativo, regressivo, inflacionário e redutor do crescimento econômico.”
    Eu fico sem entender a maneira quase servil como o empresariado brasileiro se curva a estas verdadeiras atrocidades cometidas pelo governo, que no afã de aumentar sua arrecadação garfa toda a sociedade e reduz, por consequência, o crescimento econômico gerando mais desemprego e injustiça social.
    Que a CPMF, que prometem ser PROVISÓRIA, mas que até o Zé Buchudinho sabe será PERMANENTE, vai ser aprovada tranquilamente no Congresso. Afinal, para que servem as famigeradas dotações orçamentárias?
    Até quando o povo brasileiro suportará esta crescente carga tributária? Será que só quando bater nos 99,99% é que o povo vai se animar a ir às ruas protestar?
    //////
    OS RECURSOS SAL GROSSO SERÃO JULGADOS EM SETEMBRO? VÃO DEIXAR SAL GROSSO PRESCREVER?
    NÃO POSSO ME ZANGAR AO SER CALUNIADO POR CORRUPTO. COMO REVIDAR O COICE DE UMA ÉGUA?
    Inácio Augusto de Almeida

  2. João Claudio diz:

    Inácio, aposto o que você quiser como a CPMF não será aprovada no congresso.

    • Inácio Augusto de Almeida diz:

      Se o povo não for às ruas a CPMF já está aprovada. Nem que seja preciso criar mais ministérios.
      Eu aceito a aposta, mas só valendo se o povo não for às ruas. Com o povo nas ruas eles borram as cuecas e votam contra. Tudo vai depender do povo ir às ruas. É igual à continuação da LEI DA MORDOMIA DOS VEREADORES em Mossoró. No dia que os mossoroenses forem às ruas esta imoralidade acaba.
      Você sabia que falta dinheiro para pagar os anestesiologistas, mas sobra para a LEI DA MORDOMIA DOS VEREADORES? Por que isto acontece? Porque o mossoroense acha FEIO ir às ruas lutar pelos seus direitos.
      Como sei que o povo brasileiro não mais se anima a ir às ruas, aposto uma lata de leite em pó que o ganhador doará a uma escola pública municipal de Mossoró a fim de que as crianças tenham leite pelo menos um dia na MERENDA ESCOLAR.
      Um abraço e divulgue o blog Carlos Santos.
      /////
      OS RECURSOS SAL GROSSO SERÃO JULGADOS EM SETEMBRO? VÃO DEIXAR SAL GROSSO PRSCREVER?

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