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domingo - 25/04/2021 - 07:28h

Resposta a um “Funcionário”

Carlos Santos - Caricatura - reduzidaPor Carlos Santos

“Servir só para si é não servir para nada.” (Voltaire)

Meu querido “funcionário” Francisco Edilson Leite Pinto Júnior:

Recebi e publiquei mais abaixo – sua extremada missiva, em que trata de seu vínculo laboral com este Blog, página há muito adotada por centenas e milhares de pessoas sob compromisso diário de leitura. Outras tantas, de forma mais visível, como comentaristas e articulistas. Esse último caso o seu, atesto.

Sua tarefa, bom que fique consignado, tem sido contribuir à formação de uma bolha crítica e quebra do oligopólio da opinião, na chamada “imprensa convencional” – via este Blog. Seu trabalho merece remuneração diferenciada e regular, sempre ensejando cevados reajustes.

– O trabalho dignifica o homem – alardeou o filósofo Hesíodo e eu poderia me valer desse aforismo para – quem sabe – aplacar sua suposta indolência. Não o farei.

Reconheço. Nem tergiverso quanto ao que lhe é meritório.

É um “soldo” que o Blog admite dificuldades em saldar, mas nem assim se sente inibido em cobrar sua maior contribuição a missões tão significativas à nossa civilização.

Claro, muitos podem afirmar que tudo não passa de esforço inglório – seu, meu, nosso. Seria apenas uma gota no oceano de lágrimas de um planeta selvagem e predatório.

Contudo recorro à Madre Teresa de Calcutá para incensá-lo e a outros tantos que pensam da mesma forma:

– Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.

Compreendo o sobrepeso de seus outros afazeres como professor, escritor e médico, uma tríade nobre e que certamente lhe dará o reino dos céus. Para muitos, talvez seja mais uma condenação terrena do que benção celestial.

Tenho ouvido seus murmúrios, testemunho seu alarido, identifico seus desapontamentos e reconheço seu esforço para ser pelo menos razoável nas tarefas principais que adotou, além de ser – também ouço – um esposo nota 10 e um pai zeloso e extremado.

PENSAR É CANSATIVO. Muitos se especializam em tudo, como um Conselheiro Acácio do grande Eça de Queiroz. Em síntese: não se aprofundam em nada. É um fardo conflitar com o status quo, o pensamento dominante e as atitudes tacanhas de uma maioria incapaz de refletir sob a ótica do bem comum. É remar contra a maré.

– Pensar é o trabalho mais difícil que existe. Talvez por isso tão poucos se dediquem a ele – diria Henry Ford.

Seu exercício laboral em nossa “organização” é imprescindível. Cobro-lhe em particular e de público, para dar eco ao que ouço no cotidiano neste mundo virtual e real. Suas  palavras, mesmo que muitas vezes pareçam o apocalipse narrado por Jim Morrison (The Doors) em “The End”, emergem como uma luz.

Se nos faltar energia, talvez sobre sua centelha para nos estimular à incessante luta. Desistir, jamais!

Por favor, não me interprete como um patrão rançoso e afeito ao contorcionismo das palavras, para seduzir seus operários ao trabalho escravo, com a vã promessa de melhorias a posteriori. Sou sincero, tão somente. Falo do fundo d´alma.

Não temas. Não utilizarei de artifícios lúdicos para atrai-lo à labuta e passar ao mundo a imagem de que lhe oferto um ofício sem maiores dificuldades. A máscara nazifascista não me cabe.

No frontispício de Auschwitz I, os judeus que chegavam a esse campo de concentração liam o que parecia uma esperança: “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta“). Era a senha para maus-tratos e morte bárbara.

NESTA PÁGINA, MORRER É NÃO EXERCITAR A PALAVRA, suprimir ideias e tolher o pensamento conflitante. A gente não é obrigado a concordar um com o outro, mas aprendemos desde cedo a respeitar o livre arbítrio e o direito de qualquer um discordar de nós.

Isso é dialética. Sem ela, ainda estaríamos amontoados em cavernas, matando bichos com pedra e paus; apenas subsistindo.

Sem a presunção de Michelangelo diante de seu Moisés, eu pondero que não pares.

É-me significativo lhe adiantar, que não lhe dou ordens. Delego-lhe uma missão. Reproduzo a vontade de milhares de webleitores: “Parla! Parla! Parla!

Se “no princípio era o verbo“, como descreveu o evangelista João, como posso suprimir a criação, a reinvenção e a clarividência do seu pensamento?

Tens direito ao “ócio criativo” orquestrado por Domenico Di Masi, movido apenas pelo diletantismo, cultura e sua inteligência privilegiada. O básico bastaria à sua felicidade, sei.

Contudo, assinalo, nós queremos mais de ti – exemplo de funcionário diferenciado e imprescindível em qualquer corporação.

Recorro a um de nossos ídolos comuns para atestar o reconhecimento de seu esforço e a constatação de suas fragilidades. Posso dimensionar o que é a exaustão, a quase desistência: “Não sois máquinas; homens é que sois!” (Charles Chaplin).

TAMBÉM JÁ QUIS PARAR, CARO FUNCIONÁRIO. A tentação da desistência é recorrente, como uma mazela recidiva. Se tem cura, não sei. Trato de conviver com ela; domá-la pela paixão.

– Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida – proclamou o mestre Confúcio há milhares de anos. Fiz minha escolha. Por isso trabalho tão pouco.

Quase me convenceram a deixar tudo para trás e me ocupar em tarefas menos insalubres, mais rentáveis e que me distanciassem dessa luz, ou daquela centelha que vejo em ti.

Há um brilho incomum em seus textos – por mais amargos que às vezes se revelem. É o brilho dos loucos, de um “maluco beleza” como Raul. Dos que sonham acordados e partilham a utopia de voar, muito superior ao delírio de Ìcaro em seu voo solo fracassado.

Se desabarmos, desabaremos juntos. Por quê?

Porque voamos sincronizados, acreditando que talvez consigamos mais aliados nesse trajeto migratório que pode nos levar da ignorância à sapiência redentora.

Você não está só!

Seu emprego está mantido, caro funcionário. Deixe de moganga; pode voltar ao trabalho.

Carlos Santos – Editor do Blog Carlos Santos

* Crônica publicada no dia 17 de fevereiro de 2013, às 9h44, em resposta à crônica sob o título Carta ao “Patrão”, assinada por Francisco Edilson Leite Pinto Júnior, postada no mesmo dia, há pouco mais de oito anos, às 6h45. Hoje (domingo, 25 de abril de 2021), resolvi republicar ambas (veja AQUI), após uma conversa que tivemos à semana passada, quando esses textos foram lembrados por ele.

* Caricatura de Túlio Ratto.

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Fernando diz:

    São essas crônicas que me faz leitor desse blog. Genial.

  2. Rocha Neto diz:

    Oi Carlão,
    Grato pela bela peça literária em tela, fez-me sentir um pigmeu no país de Mossoró, ou um anão residindo na Alemanha, tamanha sapiência sua e de Edilson Freire. Dois artigos dignos de se eternizarem nos acervos das mais renomadas bibliotecas do nosso universo literário.
    Parabéns aos dois escribas, como diria nosso grande Canindé Queiróz.
    Como hoje é dia do OSCAR, uma estatueta para o patrão Carlos Santos e outra para o funcionário Francisco Edilson Leite Pinto

  3. Vlasenilson Duarte diz:

    Boa Leitura Dominical sempre nós deixa mais altivos em apreder e enriquecer nosso vocabulário ao longos anos como leitor espaço!

  4. Hélio Oliveira da Silva diz:

    Que texto maravilhoso, revisito a obra prima tomado de emoção, li hoje a carta ao “patrão” e a resposta a um “funcionário”, tomado de emoção do início ao fim. Na verdade o li chorando tomado de tanta emoção, para além da grandeza, beleza, lucidez e sabedoria.
    “Escolhes um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nenhum dia da vida – proclamou o mestre confúcio a milhares de anos. Fiz minha escolha, por isso trabalho tão pouco.”
    Uma bênção começar a semana com texto primoroso!

  5. Rocha Neto diz:

    Corrigingdo: Francisco Edilson Leite Pinto*

  6. Edilson Pinto diz:

    “Oh, captain, my capitain”!!!
    Meu querido Patrão,
    E o melhor de tudo que continuo sendo um funcionário rebelde, que faz o patrão sofrer com o meu Flamengo a cada dia mais, e isso só mostra o quão generoso você é.
    Obrigado, amigo!
    Alegraram a minha alma essas cartas.
    Segue o jogo!!
    Com gol do GABIGOL, é claro…
    KKKKKK

  7. Clóvis Pituleira diz:

    Patrão e Funcionário,duas feras,só isso.

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