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terça-feira - 07/11/2023 - 09:30h
Memórias do rádio

Souza Luz e “O prato do dia” na mesa política do mossoroense

Reportagem lembra o Dia do Radialista resgatando um nome da radiofonia política de Mossoró

Por Tárcio Araújo (95 FM Mossoró, especial para o BCS)

Souza Luz nasceu em Areia Branca e faleceu aos 65 anos (Foto: Relembrando Mossoró)

Souza Luz nasceu em Areia Branca e faleceu aos 65 anos (Foto: Relembrando Mossoró)

Neste dia 07 de Novembro, quando se comemora no Brasil o Dia do Radialista, o Blog Carlos Santos (BCS) registra a data mergulhando num passado distante da radiofonia mossoroense. Num quadrante de tempo do século passado, a gente resgata a figura de José Maria de Souza Luz (1927-1992, 65 anos), radialista que dava voz ao programa “O Prato do Dia”, que entre as décadas de 50 e 60 teve seu ápice na Rádio Tapuyo (hoje, RPC).

Parte desse conteúdo é extraído do livro a ser lançado no início do próximo ano – “Memórias do rádio mossoroense” (Tárcio Araújo). O trabalho reúne pesquisa de 05 anos, num mergulho em fontes primárias e labirintos diversos, passando por livros, revistas, áudios, jornais antigos, bem como inúmeras entrevistas com familiares e ex-radialistas de Mossoró.

O Prato do Dia foi o programa político mais efervescente do rádio mossoroense durante a década de sessenta. Veiculado ao meio-dia pela Tapuyo, era apresentado pelo polêmico radialista areia-branquense “Souza Luz,” seu nome artístico e adotado no cotidiano da sociedade. Teve início em meados de 1956.

O seu nome sugestivo foi idealizado pelo notável jornalista e escritor Jaime Hipólito. Era dele que vinha o editorial diário lido e interpretado pela voz inconfundível de Souza Luz. Eram crônicas e artigos com duração média de 05 minutos, tendo como alvo preferencial os políticos adversários dos irmãos Rosado (Vingt e Dix huit), figuras mais proeminentes desse clã, desde a morte do governador Dix-sept Rosado em 1951 – irmão de ambos.

Jaime esquentava o texto para Souza Luz tocar fogo (Foto: Relembrando Mossoró)

Jaime esquentava o texto para Souza Luz tocar fogo (Foto: Relembrando Mossoró)

Dupla com Jaime Hipólito

Aluízio Alves, que veio a ser governador do RN, tinha cadeira cativa no programa, sendo objeto das críticas, eventuais denúncias e questionamentos. O programa foi um caso de amor e ódio em razão de sua linha editorial ácida e impetuosa. De um lado, milhares de ouvintes seguidores dos Rosados; do outro, adversários.

Naquela época o Rio Grande do Norte vivenciava o tempo da política a ‘ferro e fogo’, e não havia limites para as hostilidades. A crônica mordaz de Jaime Hipólito se potencializava na voz ressoante de Souza Luz com sua dramatização impecável, robustecida de ênfases, pausas estratégicas e transpirações que passavam uma ‘imagem’ do que era focalizado. Numa analogia coloquial, Jaime acendia o fogaréu e Souza Luz espalhava as brasas.

“(…) O locutor Souza Luz, que não tinha o timbre aveludado de Jorge Ivan Cascudo Rodrigues, nem como este escandia sílabas, lendo a crônica denominada ‘Boa noite para você’, nem o timbre cristalino da voz de Genildo Miranda, estrela da emissora concorrente, fazia com sua voz roufenha leituras verdadeiramente memoráveis, abusando da ironia, pontuando palavras, valorizando pausas e acentuando imagens dramáticas,” lembra o escritor Tarcísio Gurgel, um ouvinte diário à época.

Texto e voz que se casavam na Rádio Tapuyo, nesse ‘prato’ diário servido à mesa do mossoroense, era mesmo recheado de ironias, imitações jocosas de políticos e comparações com criaturas do reino animal. A receita era um grande sucesso.

“O ex-senador Teodorico Bezerra, por exemplo, era reportado no programa como Rato Branco”, conta o radialista J.B de Andrade que trabalhou como operador de áudio da rádio Tapuyo neste período.

O ápice de O Prato do Dia foi nos anos de superlativo sucesso político nas urnas, na comunicação e no apelo de massas de Aluízio Alves, no governo estadual. O ‘cigano feiticeiro’ ameaçava o domínio dos irmãos Rosados em Mossoró e expandia no município uma crescente força que precisava ser combatida à moda daquele período: de forma radical, claro.

“(…) É fato que durante a campanha de 60 e depois da campanha, Aluízio dividia as famílias.  A gente via casos de rompimento entre pai e filho por conta do acirramento político daquela época, e o Prato do Dia retratava bem isso aqui em Mossoró. Quem era partidário de Aluízio odiava o programa. Mas quem era contra o governador se deleitava com as crônicas narradas por Souza Luz,” rememora Laíre Rosado, genro do deputado estadual Vingt Rosado.

O ‘resgate’ de Souza Luz 

Durante a campanha eleitoral para o governo do Estado em 1960, o radialista Souza Luz recebera constantes ameaças de surras dos eleitores de Aluízio Alves revoltados com as críticas que ele desferia ao político.  Quando estava próximo ao encerramento da contagem dos votos, o resultado apontava vitória do candidato ‘bacurau’ contra Djalma Marinho. Nessa ocasião, Souza Luz transmitia a apuração do primeiro andar do prédio da União dos Artistas Mossoroenses, na praça Antônio Vigário Joaquim.

Do lado de fora, uma multidão se aglomerava em frente ao edifício ameaçando linchar o radialista. Era uma espécie de vingança coletiva pela campanha difamatória impetrada pela rádio Tapuyo durante todo o processo eleitoral, tendo Souza Luz como figura mais representativa. Para sua sorte, alguns soldados do Exército, que garantiam a segurança do pleito, foram acionados pela direção da emissora, conseguindo resgatá-lo. Souza Luz desceu rindo, escoltado, e sob xingamentos impublicáveis.

O fim

Em 1978, o então governador Tarcísio Maia escolhera o primo Lavoiser Maia para o substituir no poder, num tempo em que a ascensão à governadoria era indireta, sob nomeação do regime militar. Os nomeados eram denominados de “governadores biônicos.”

Dix-huit, candidato ao Senado em 1958, tem Souza Luz ao microfone (Foto: Cedida)

Dix-huit, candidato ao Senado em 1958, tem Souza Luz ao microfone (Foto: Cedida)

Essa decisão gerou enorme insatisfação para Dix Huit Rosado que também pleiteava o posto. No rosadismo, a sua escolha era vista como “natural” e certa, tamanho seu currículo. Ex-deputado estadual Constituinte, ex-senador, ex-prefeito de Mossoró, Dix-Huit encomenda uma crônica inflamada contra Tarcísio Maia e encaminha o conteúdo para que Souza Luz a apresentasse no programa.

Mossoró inteira sabia que a voz e a interpretação de Luz ampliavam o poder da mensagem. E Dix-Huit Rosado tinha convicção de que o conteúdo da crônica só alcançaria o efeito desejado se fosse transmitido na voz do locutor-âncora da Tapuyo.

Para não desagradar nenhuma das partes, Souza Luz se recusou a narrar a crônica, mesmo a mando do patrão. Pediu para o colega François Paiva executar a missão, e foi embora pra casa passo a passo.

Ao tomar conhecimento que não era Souza Luz quem estava na apresentação, Dix-Huit, ordena a suspensão imediata do programa e o convoca à conversa olho no olho.

No entanto, apesar dos apelos, o radialista manteve a posição e por consequência desse fato deixou o trabalho na Tapuyo. Encerrava assim uma carreira de 23 anos dedicados à emissora.

“Dias depois Tarcísio Maia o procurou para agradecer a solidariedade. Noguchi Rosado (sobrinho de Dix-huit e Vingt Rosado) também foi lá em casa pedir pra ele voltar ao trabalho, mas ele já estava decidido. Meu pai não queria se indispor com nenhum dos lados. Tinha uma boa amizade e consideração pelos dois, tanto Tarcísio quanto Dix Huit, que se sentia traído naquele momento. Foi uma decisão muito coerente da parte dele,” relata o  filho do comunicador Souza Luz, José Maria de Souza Luz Filho, o “Zezinho.”

Depois disso, o radialista decidiu não atuar por outra emissora da cidade, apesar dos convites. Sua vida e trajetória estavam intimamente ligadas a rádio Tapuyo desde a fundação da emissora em 1955.

Nos anos 60, o radialista e o prazer, também, da Lambreta (Foto: cedida)

Nos anos 60, o radialista e o prazer, também, da Lambreta (Foto: cedida)

Três paixões

“Meu pai tinha três grandes paixões: a família, a política e a rádio Tapuyo,” aponta Zezinho.

Depois de deixar a rádio Tapuyo de forma prematura, aos 48 anos, Souza Luz deu sequência à atividade profissional de servidor público na coletoria do Estado. Permaneceu ligado politicamente à família Rosado até sua morte no ano de 1992.

Souza Luz foi um dos grandes nomes do rádio local, atuando no jornalismo político daqueles tempos, ao seu modo e de acordo com o método de comunicação exigido para a época.

Quer saber mais sobre histórias como essa, aguarde em 13 de Fevereiro de 2024 (quando se comemora o Dia Mundial do Rádio), o lançamento do nosso livro ‘Memórias do Rádio Mossoroense.

Leia também: “O prato do dia” na resenha política.

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Categoria(s): Comunicação / Política / Reportagem Especial

Comentários

  1. Rocha Neto diz:

    Um adendo:
    Souza Luz esposa e filhos, chegaram a aderir a ala política comandada por Aluízio Alves, ele com a família residia na praça Bento Praxedes, e alí eu estive e assisti numa manhã de sábado, a recepção que as senadoras mossoroenses fizeram para receber a adesão da família de Souza Luz, ao aluizismo verde.
    Lembro muito bem da imagem da esposa de Souza Luz empunhando uma bandeira verde no terraço de sua casa vibrando ao som de um charanga.
    Está fato, eu vi.
    Estava lá.
    A casa foi demolida e hoje é fundos correspondentes da Loja Areia Branca, galeria rua Cel. Gurgel com a praça Bento Praxedes.
    Quando trabalhei na Rádio Rural de Mossoró, ainda tive a oportunidade de encontrar com Souza Luz por diversas vezes, já estava aposentado da Recebedoria de Tendas Estadual, vez por outra, ele visitava as irmãs Maria José, María do Carmo e Maristela, as mesmas residiam na rua 30 de setembro, próximo a praça Vigário Antônio Joaquim.

  2. Graça Sabino diz:

    Uma correção ao comentário anterior: Souza Luz e família não moravam na praça Bento Praxedes. Quem morava ali era uma tia dele ou de sua esposa, Neide. Eles moravam na rua Dr. Almir de Almeida Castro, em frente a casa de Pedrinho de Aquino, próximo à rádio Tapuyo. Eu morava próximo à referida praça e estudva com Josneide Luz, filha deles e todos os dias ia até a casa deles para pegar carona até o colégio Diocesano, no seu fusca amarelo . Eu e Nazaré Rosado fizemos esse percurso por uns 2 ou 3 anos. Bons tempos, boas recordações .

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