Por Marcos Araújo
O poeta romano Virgílio, autor de “Geórgicas” e “Eneida, costumava dizer aos seus comensais que o tempo fugia de forma irreparável (tempus fugit irreparabile). Como um “devorador das coisas” (tempus edax rerum) emendou depois, com precisão, o poeta Ovídio (43 a.C. – 17 d.C.). Em suas aulas aos estóicos, o filósofo grego Sêneca repetia excessivamente que “nada é nosso, exceto o tempo.” E sobre a ansiedade humana na busca de um viver perpétuo, complementava: “Perdemos o dia esperando a noite e perdemos a noite esperando amanhecer.”
Outro dia, fiquei absorto em envelhecidas sinapses cerebrais ao adentrar na ampulheta da minha existência, depois que o ilustre editor deste Blog restaurou uma publicação sua, de 12 anos atrás, noticiando a inauguração do nosso “novo” escritório. Reflui no seu texto, para aportar brevemente no passado. À semelhança de Mário Quintana, admito que na minha cabeça “o passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente…”
Pensei nas diversas mudanças a que fui submetido. No último decênio, por exemplo, a tecnologia “devorou” muitos dos símbolos dos escritórios de advocacia do meu tempo inicial, a exemplo: i) a máquina datilográfica; ii) o diário oficial publicado em jornal impresso; iii) o processo judicial – e administrativo – físico; iv) os livros em papel; v) o contato com o cliente e o meio de consultar o advogado (que era fundamentalmente presencial, e agora é pelo Instagram e o WhatsApp); vi) os mandados judiciais, que são atualmente cumpridos por mensagens de WhatsApp etc.
O Direito foi mudando. Antes, a fonte era a lei, depois a Constituição. Agora, somos espectadores da fuga da normatividade, valendo apenas a “decisão-norma” criada pelo Tribunal ou por um Juiz, em isolado. O STF virou legislador extraordinário, e Alexandre de Moraes um intérprete avesso da lógica constitucional.
No meu tempo, crises diplomáticas entre nações se resolviam em reuniões longas a portas fechadas entre os embaixadores. Hoje, são “viralizadas” a partir de publicações – dos embaixadores – em redes sociais. Os Poderes Públicos (Executivo, Legislativo e Judiciário) todos os dias criam mais e mais portais, canais e oferta de serviços virtuais, uma prodigalidade de promessas descumpridas e serviços absolutamente ineficazes.
Os prejuízos são notados na família, na formação educacional, na educação social. Há um desprezo pelos encontros pessoais e estamos decretando a morte da mágica da afetividade humana.
A VIRTUALIDADE, penso eu, tem sido inimiga da criatividade, do aprofundamento do saber, do pensar instantâneo, da operatividade, da destreza do agir… Pelo menos, as crianças estão mais lerdas, menos ativas. Os profissionais também. Conhecimento temático é de superfície. O saber é apenas “googliano”. Os cursos de finais de semana, por Google Meet, diplomam milhares dos “especialistas” do presente.
Stravinsky (1882-1971), o famoso compositor e maestro russo, perguntado uma vez sobre o seu sucesso, negou bastar a inspiração. Dizia ele que tudo vinha pela persistência do trabalho: “Não se nega a importância da inspiração. Pelo contrário, considero-a uma força motriz, que encontramos em toda atividade humana. Essa força, porém, só desabrocha quando algum esforço a põe em movimento, e esse esforço é o trabalho.”
Meu desafio diário está na resposta de Arnaldo Antunes, dos Titãs: “não vou me adaptar”. Tenho travado, como Aldyr Blanc, diálogo com o tempo. E sei que ele debocha de mim. O efeito é diverso do que foi musicado. Fico apenas com a parte final: “No fundo é uma eterna criança, que não soube amadurecer / Eu posso, e ele não vai poder, me esquecer.”
Marcos Araújo é advogado e professor da Uern