A saudade que sinto da minha pequena Vitória Gabriela é muito grande e ainda luto à procura de forças para superar esse trauma, motivado por pessoas desprovidas de sensibilidade e de bons sentimentos. Não é fácil ver o sonho de vida que – eu e meu esposo – construímos para nossa Vitória ser desmoronado e saber que os planos que tínhamos traçado para ela jamais sejam realizados.
Enquanto as lágrimas molham suavemente o meu rosto vejo que a chuva, que agora começa a cair em nossa cidade, nunca irá molhar o seu rostinho frágil. Dói-me o coração quando olho para as coisinhas, com motivos cor-de-rosa, que compramos para ela, e ao ver outros acessórios infantis e brinquedos, expostos nas vitrinas e gôndolas de lojas, que ainda iríamos comprar.
Penso na vida que ela não viverá: as primeiras quedas; os primeiros passos; a escola; os amigos; os amores; a profissão… Dizia orgulhosa que ela seria inteligente como o pai. Agora, como poderei saber?
As coisas que fariam parte de sua vida, na infância – o algodão-doce, o parque, o circo, o primeiro banho de mar, os passeios pela cidade, a primeira viagem, a primeira palavra, com quem seria parecida, do que gostaria… – são questionamentos dos sonhos que tínhamos em nossa mente e que ficarão sem respostas em nossos corações.
O que ficará indelével em nossas mentes e corações são os 37 dias de amor, dedicação e esperanças; o gostinho de ser mãe (ainda que tenha sido mãe de UTI); o prazer indescritível de tê-la em meu colo, uma única vez, cheia de tubos, acomodada em meus braços; a solidariedade sincera de parentes e amigos; a fé em Deus, que nos deu a resignação nos momentos difíceis; o exemplo da força de um ser, aparentemente frágil, lutando bravamente para viver no interior de uma incubadora.
Ela conseguiu ultrapassar a sentença de morte que lhe fora dada, ao nascer, e deixou a lição de que não importava o tamanho da aparente fragilidade. E, sim, a fraternidade, o senso de humanidade e o respeito à vida, por parte daqueles que teriam a missão e o dever de zelarem pelo bem-estar das pessoas, atendidas pela via da saúde pública.
O coração da pequenina Vitória Gabriela parou de bater às 13 horas do último dia 25 de fevereiro e levou consigo um pedaço de mim.
Apesar da saudade de um amor que não será vivido, resta-nos a esperança de que esse episódio possa resgatar a esperança de dias melhores, para que outras mães acalentem em seus colos os bebês que seriam as vítimas de criminosos frios e insensíveis.
Cleilma Fernandes é diretora do Jornal Página Certa (Crônica publicada no periódico, Edição 208 – dia 16 de março de 2008)